1. Eu estou envolvido existencialmente numa pesquisa sobre as condições do conhecimento humano - Epistemologia. Em algum momento, encaminhei-me para a discussão sobre a Pragmática. Já lá se vão quase (mais de?) quatro anos, já que em 25/04/2007 eu escrevia o "ensaio" Pragmática, na Série Pragmática I.
2. Há mais ou menos uma hora, peguei-me tomado de uma excitação febril. Decidi mapear todos os autores citados por Morin em qualquer um de seus livros - acho que farei um adendo a Peroratio, ou um blog à parte, só para isso. Comecei em Szent-Györgyi e passei a Jean-Louis Le Moigne. Quando fui atrás de Le Moigne, deparei-me com a obra conjunta: Morin e Le Moige - A Inteligência da Complexidade - Epistemologia e Pragmática, do Instituto Piaget. Tremi dos pés à cabeça. A obra é de 2009 - após minha série Pragmática e, todavia, tem todos os termos-chave de minhas pesquisas - sem falar de "inteligência" e "complexidade", lá estão "epistemologia", de um lado, e "pragmática", de outro. Acabo de encomendar o livro e espero horas de êxtase, em breve...
3. Por ora, quero apenas dizer que não me sinto confortável com o modo como as Ciências Humanas lidam com o conceito de "racionalidade". Desde - pelo menos - Weber, a racionalidade transformou-se numa espécie de câmara hiperônima, dentro da qual tudo o que é humano está, à qual tudo o mais de humano submete-se.
4. Por exemplo - Weber fala de quatro tipos de ação humana - ação racional voltada a objetivo, ação racional voltada a emoção, ação racional voltada a valor e ação tradicional. Depois dele, fica fácil compreender por que razão Habermas fala de racionalidade técnica, racionalidade expressiva e racionalidade normativa. Na prática, há pouca distância, se há alguma, entre esse modo de pôr as coisas e o modo como Weber as concebia.
5. Eu confesso: sinto-me desconfortável, profundamente desconfortável, diante dessa forma de descrever a ação humana. Dizer que a ação discursiva humana, a ação intencional, a ação consciente, a ação teleológica, deontológica, é, por isso, "racional" é reduzir a racionalidade humana à linguagem. Há aí, ouso dizer, um grave equívoco. Racionalidade na "Trindade" porque ela é ação discursiva...?, "racionalidade" na "cruz"?, no cinema, na Democracia, na arte? Ou todas essas ações serão, antes, "racionalizações", não racionalidades, são discursivizações racionalizadas, logicizadas - isto é, de "logos", discurso, mas não "racionais", no sentido de uma relação eu-mundo?
6. Não acredito que eu possa tornar as ações de "saber" equivalentes - ambas, racionais! - às de "sentir". "Sentir" não é da ordem do "conhecer", do "saber". Dizer que com o "sentimento" com a religião, até! - se "conhece" o mundo não me parece a mesma coisa que dizer que com pesquisa se conhece o mundo. O sentimento não desnuda o real - antes, veste-o com mitos: é a ação oposta à pesquisa, que, além de iconoclasta, gosta da nudez. "Sentir" emoção pelos anjos pode até gerar um "falso saber" sobre os anjos - mas não é, sob nenhuma circunstância, "saber". Talvez, vá lá, crer e, aí, entendo, se você diz que crer é saber... E quando a tribo crê, logo sabe, que gêmeos são demoníacos e, por isso os mata?, e quando a tribo crê, logo sabe, que se deve extirpar o clitóris de meninas?, e se a religião crê, logo sabe, que Deus odeia os homossexuais? - aliás, está até escrito no Livro...
7. Certo - a pesquisa faz-se também por meio da linguagem: mas, alto lá - a linguagem, na pesquisa, é outra coisa que a linguagem no mito, na religião, na poesia! Não me parece nada "racional" reduzir a linguagem racional, científica, heurística, à linguagem poética, mítica, subjetiva, religiosa. Nessas câmaras, aspira-se à pluralidade de sentidos, de significados, à dispersão do fixo, ao passo que a pesquisa concentra-se em sua estabilidade conceitual. Na poesia, o rei é o sentimento!, na pesquisa, o objeto!
8. A mesma coisa se diga entre o "querer" e o "saber" - já Freud nos alertava quanto ao "princípio de prazer" e ao "princípio de realidade". O "querer", de um lado, pulsional, e, de outro, político, não é da mesma dimensão que o "saber". Não se vota o conhecimento - se mede. E mesmo a medida não tem absolutamente nada de fundamentalmente consensual - antes, o consenso deve, para ser um consenso válido, submeter-se à medida!
9. Bem, tenho que pesquisar mais - treinar, de um lado, o olhar crítico, aprofundar o olhar sobre o real. De outro, aprofundar a técnica de retórica, de prova. Tem algo de muito, muito errado nas Ciências Humanas e na "Filosofia", quando elas insistem em refletir dentro de uma redoma não-biológica, não-ecossistemicamente situada. Redução biológica, Osvaldo, assusta-se um, reducação fisicalista, Osvaldo, assusta-se outro. Não, meus amigos, não: reinstalação dos discursos na plataforma ecossistêmica humana, onde o humano ou é biológico ou é quimera...
10. Temo que Platão tenha sido despido da linguagem mítica, mas que o mito platônico de um pensamento desencarnado tenha entrado no século XXI pelas portas da frente do século XX: as próprias Ciências Humanas.
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
2. Há mais ou menos uma hora, peguei-me tomado de uma excitação febril. Decidi mapear todos os autores citados por Morin em qualquer um de seus livros - acho que farei um adendo a Peroratio, ou um blog à parte, só para isso. Comecei em Szent-Györgyi e passei a Jean-Louis Le Moigne. Quando fui atrás de Le Moigne, deparei-me com a obra conjunta: Morin e Le Moige - A Inteligência da Complexidade - Epistemologia e Pragmática, do Instituto Piaget. Tremi dos pés à cabeça. A obra é de 2009 - após minha série Pragmática e, todavia, tem todos os termos-chave de minhas pesquisas - sem falar de "inteligência" e "complexidade", lá estão "epistemologia", de um lado, e "pragmática", de outro. Acabo de encomendar o livro e espero horas de êxtase, em breve...
3. Por ora, quero apenas dizer que não me sinto confortável com o modo como as Ciências Humanas lidam com o conceito de "racionalidade". Desde - pelo menos - Weber, a racionalidade transformou-se numa espécie de câmara hiperônima, dentro da qual tudo o que é humano está, à qual tudo o mais de humano submete-se.
4. Por exemplo - Weber fala de quatro tipos de ação humana - ação racional voltada a objetivo, ação racional voltada a emoção, ação racional voltada a valor e ação tradicional. Depois dele, fica fácil compreender por que razão Habermas fala de racionalidade técnica, racionalidade expressiva e racionalidade normativa. Na prática, há pouca distância, se há alguma, entre esse modo de pôr as coisas e o modo como Weber as concebia.
5. Eu confesso: sinto-me desconfortável, profundamente desconfortável, diante dessa forma de descrever a ação humana. Dizer que a ação discursiva humana, a ação intencional, a ação consciente, a ação teleológica, deontológica, é, por isso, "racional" é reduzir a racionalidade humana à linguagem. Há aí, ouso dizer, um grave equívoco. Racionalidade na "Trindade" porque ela é ação discursiva...?, "racionalidade" na "cruz"?, no cinema, na Democracia, na arte? Ou todas essas ações serão, antes, "racionalizações", não racionalidades, são discursivizações racionalizadas, logicizadas - isto é, de "logos", discurso, mas não "racionais", no sentido de uma relação eu-mundo?
6. Não acredito que eu possa tornar as ações de "saber" equivalentes - ambas, racionais! - às de "sentir". "Sentir" não é da ordem do "conhecer", do "saber". Dizer que com o "sentimento" com a religião, até! - se "conhece" o mundo não me parece a mesma coisa que dizer que com pesquisa se conhece o mundo. O sentimento não desnuda o real - antes, veste-o com mitos: é a ação oposta à pesquisa, que, além de iconoclasta, gosta da nudez. "Sentir" emoção pelos anjos pode até gerar um "falso saber" sobre os anjos - mas não é, sob nenhuma circunstância, "saber". Talvez, vá lá, crer e, aí, entendo, se você diz que crer é saber... E quando a tribo crê, logo sabe, que gêmeos são demoníacos e, por isso os mata?, e quando a tribo crê, logo sabe, que se deve extirpar o clitóris de meninas?, e se a religião crê, logo sabe, que Deus odeia os homossexuais? - aliás, está até escrito no Livro...
7. Certo - a pesquisa faz-se também por meio da linguagem: mas, alto lá - a linguagem, na pesquisa, é outra coisa que a linguagem no mito, na religião, na poesia! Não me parece nada "racional" reduzir a linguagem racional, científica, heurística, à linguagem poética, mítica, subjetiva, religiosa. Nessas câmaras, aspira-se à pluralidade de sentidos, de significados, à dispersão do fixo, ao passo que a pesquisa concentra-se em sua estabilidade conceitual. Na poesia, o rei é o sentimento!, na pesquisa, o objeto!
8. A mesma coisa se diga entre o "querer" e o "saber" - já Freud nos alertava quanto ao "princípio de prazer" e ao "princípio de realidade". O "querer", de um lado, pulsional, e, de outro, político, não é da mesma dimensão que o "saber". Não se vota o conhecimento - se mede. E mesmo a medida não tem absolutamente nada de fundamentalmente consensual - antes, o consenso deve, para ser um consenso válido, submeter-se à medida!
9. Bem, tenho que pesquisar mais - treinar, de um lado, o olhar crítico, aprofundar o olhar sobre o real. De outro, aprofundar a técnica de retórica, de prova. Tem algo de muito, muito errado nas Ciências Humanas e na "Filosofia", quando elas insistem em refletir dentro de uma redoma não-biológica, não-ecossistemicamente situada. Redução biológica, Osvaldo, assusta-se um, reducação fisicalista, Osvaldo, assusta-se outro. Não, meus amigos, não: reinstalação dos discursos na plataforma ecossistêmica humana, onde o humano ou é biológico ou é quimera...
10. Temo que Platão tenha sido despido da linguagem mítica, mas que o mito platônico de um pensamento desencarnado tenha entrado no século XXI pelas portas da frente do século XX: as próprias Ciências Humanas.
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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