1. "Em meio à finitude, fazer-se um com o Infinito e ser eterno em um instante: tal é a imortalidade da religião" (Schleiermacher, Sobre a religião, p. 77). Por um instante, gozar da beatífica percepção de unidade com o Infinito - bonito! Todavia, não necessariamente a definição de toda e qualquer religião. De um ponto de vista fenomonelógico-religioso, uma descrição particular - protestante - de "religião", mas, não necessariamente, de toda religião.
2. Não é preciso chegar ao mutismo completo sobre o fenômeno religioso, pressuposto em Derrida. Todavia, religião é alguma coisa muito mais variada e complexa do que uma experiência subjetiva, mística e filosófica com uma noção abstrata de Infinito. Schleiermacher projeta no conceito de "religião" sua própria perspectiva, caracteristicamente protestante - e, ainda assim, do protestantismo do século XIX.
3. Por exemplo, religião, no Antigo Testamento, sequer dispunha da noção de "infinito" - pelo contrário, a idéia de que a criação (isto é, as cidades de cada povo) podia ser destruída a qualquer momento (invasões militares e demais tragédias eram interpretadas como "dilúvios", logo, anti-cosmogonias) assombrava as culturas. O infinito traduz uma concepção grega muito tardia, própria mais da filosofia - logo, da abstração dos mitos - do que dos próprios mitos: é necessário que um filtro racional-abstrativo atravesse a mitologia, para que ela se transforme em filosofia. Somente uma concepção "evolutiva" da religião poderia pressupor uma universalização do conceito de infinito na religião, mesmo princípio, portanto, da "revelação progressiva", um crime de lesa humanidade, porque, no fundo, considera que os antigos eram insuficientemente "inteligentes" para receber a revelação "completa", que nós recebemos, porque somos mais "adiantados"...
4. É natural que alguns de nós, protestantes, comunguemos com essa descrição schleiermacheriana da religião. A "espiritualidade" e a "religiosidade" protestantes são amiúde confundidas como religiosidade e espiritualidade "-modelo". Rudolf Otto fez teologia, julgando fazer Fenomenologia da Religião - no que ele está desculpado, mas não aqueles que se servem disso sem a necessária distinção teórico-metodológica, fazendo-nos crer, equivocadamente, que Fenomenologia da Religião é alguma coisa entre Schleiermacher e Otto... ou, ao contrário, que Fenomenologia da Religião é mesmo aquilo...
5. Todavia, quando assumimos naturalmente que a religião é isso - visão beatífica do Infinito, fusão mística com Ele -, estamos apenas atualizando uma determinada corrente histórico-fenomenológica, dentre muitas, das religiões. Não é que esta, de Schleiermacher, seja uma definição "errada" de religião - é que ela é apenas uma definição para algumas dentre as muitas religiões, não necessariamente tributárias do helenismo filosófico e da mística luterana.
https://www.facebook.com/osvaldo.l.ribeiro/posts/997551303658773
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
2. Não é preciso chegar ao mutismo completo sobre o fenômeno religioso, pressuposto em Derrida. Todavia, religião é alguma coisa muito mais variada e complexa do que uma experiência subjetiva, mística e filosófica com uma noção abstrata de Infinito. Schleiermacher projeta no conceito de "religião" sua própria perspectiva, caracteristicamente protestante - e, ainda assim, do protestantismo do século XIX.
3. Por exemplo, religião, no Antigo Testamento, sequer dispunha da noção de "infinito" - pelo contrário, a idéia de que a criação (isto é, as cidades de cada povo) podia ser destruída a qualquer momento (invasões militares e demais tragédias eram interpretadas como "dilúvios", logo, anti-cosmogonias) assombrava as culturas. O infinito traduz uma concepção grega muito tardia, própria mais da filosofia - logo, da abstração dos mitos - do que dos próprios mitos: é necessário que um filtro racional-abstrativo atravesse a mitologia, para que ela se transforme em filosofia. Somente uma concepção "evolutiva" da religião poderia pressupor uma universalização do conceito de infinito na religião, mesmo princípio, portanto, da "revelação progressiva", um crime de lesa humanidade, porque, no fundo, considera que os antigos eram insuficientemente "inteligentes" para receber a revelação "completa", que nós recebemos, porque somos mais "adiantados"...
4. É natural que alguns de nós, protestantes, comunguemos com essa descrição schleiermacheriana da religião. A "espiritualidade" e a "religiosidade" protestantes são amiúde confundidas como religiosidade e espiritualidade "-modelo". Rudolf Otto fez teologia, julgando fazer Fenomenologia da Religião - no que ele está desculpado, mas não aqueles que se servem disso sem a necessária distinção teórico-metodológica, fazendo-nos crer, equivocadamente, que Fenomenologia da Religião é alguma coisa entre Schleiermacher e Otto... ou, ao contrário, que Fenomenologia da Religião é mesmo aquilo...
5. Todavia, quando assumimos naturalmente que a religião é isso - visão beatífica do Infinito, fusão mística com Ele -, estamos apenas atualizando uma determinada corrente histórico-fenomenológica, dentre muitas, das religiões. Não é que esta, de Schleiermacher, seja uma definição "errada" de religião - é que ela é apenas uma definição para algumas dentre as muitas religiões, não necessariamente tributárias do helenismo filosófico e da mística luterana.
https://www.facebook.com/osvaldo.l.ribeiro/posts/997551303658773
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
2 comentários:
Osvaldo,
Mas mesmo admitindo que a expressão "um com o todo" (ou com o infinito, que seja)tenha um pé na filosofia grega (talvez no estoicismo, se não estou enganado), a experiência mística já não era algo experimentado pelos antigos xamâs? (não que isso prova a existência de um ente sobrenatural, como argumentava Otto).
Não sei se te compreendi bem.
Jones, o fato de a "essência", por assim dizer, da religiosidade protestante não ser modelar para todas as religiões não quer dizer que não haja modelos equivalentes. Talvez você não esteja errado em pensar nas práticas xamânicas. Mas pense nas práticas de I Ching, por exemplo... Não quis dizer que o protestante representa uma mística sui generis - quis apenas dizer que não é totalmente representativo, de modo que não se pode pensar num "sagrado" à moda protestante a não ser para protestantes...
Osvaldo
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