segunda-feira, 7 de março de 2011

(2011/141) Eu-eu, eu-outro e eu-mundo


1. Em termos "pragmáticos", a ação humana está reduzida a três grandes câmaras - as relações (do tipo) eu-eu, as relações (do tipo) eu-outro e as relações (do tipo) eu-mundo.

2. As relações eu-eu são da ordem da estética, e cabem-lhe o verbo sentir e o substantivo afeição (ou sentimento). Nesse sentido, estético é tudo quanto pelo que se expressa uma relação fundamental pragmática do tipo eu-eu - porque, na pragmática estética, o eu alcança a si mesmo através de uma mediação exterior ao próprio eu. A estética nasce da recursividade do eu sobre si mesmo.

3. As relações eu-outro são da ordem da política, e cabem-lhe o verbo querer e o substantivo volição (ou vontade). Nesse sentido, político é tudo quanto por meio do que se expressa uma relação pragmática fundamental do tipo eu-outro - porque, na pragmática política, o outro, pleno de vontade de ser e de ter, depara-se com um igualmente outro igualmente dotado de vontade de ser e de ter. A política nasce da interação do eu com outro que ele recebe como equivalente, igual, compatível.

4. As relações eu-mundo são da ordem da heurística, e cabem-lhe o verbo saber e o substantivo cognição (ou conhecimento). Nesse sentido, heurístico é tudo quanto por meio do que se expressa uma relação pragmática fundamental do tipo eu-mundo.- porque, na pragmática heurística, o eu se depara com o ecossistema em que está instalado enquanto ser vivo, aí se encontrando e daí se sustentando. A heurística nasce da consciência de si como ser vivo eco-situado que necessita do conhecimento desse ecossistema para sua sobrevivência.

5. Tudo quanto humano é, todavia, não é de todo medido e comedido. Os limites das operações psicológicas são frágeis, móveis, dinâmicas. O cérebro e a consciência constituem um regime bio-psicológico triádico, que opera sempre afetivo-volitivo-cognitivamente, de modo que toda estética está perpassada pela política e pela heurística, toda política está perpassada pela estética e pela heurística, assim como toda heurística está perpassada pela estética e pela política. Não há política pura, estética pura, heurística pura. E, no entanto, estética é estética, política é política, e heurística é heurística, sendo definidas objetivamente enquanto jogos programáticos pragmáticos.

6. A questão que aqui me interessa levantar é: haverá personalidades marcadas mais pela estética, mais pela política ou mais pela heurística? Ou seja, haverá uma predominância idiossincrática humana de uma das câmaras que, sem anular as demais, marca psicologicamente a relação do sujeito humano em todas as suas expressões pragmáticas?

7. Se a pergunta tiver resposta positiva, isto explicaria porque algumas pessoas tendem a se comportar constantemente como investigativas, cientistas, ao passo que outras comportam-se constantemente como poetas, artistas, enquanto outras, ainda, comportam-se o tempo todo como políticas, negociadoras. Para uns, a vida é pesquisa, para outros, gozo, para outros, negócio.

8. Talvez isso explicasse, ao menos em parte, o esforço político que tanto "pesquisador" faz para transformar (reduzir!) tudo em política (uma ênfase européia da filosofia contemporânea, por exemplo - em busca de paz, dissolve-se a objetividade heurística), ou tudo em estética. Igualmente, se poderia compreender o desprezo eventual que a ciência demonstre em relação às artes ou à ética.

9. A sanidade e a lucidez, eu diria, estão, de um lado, na consideração pelas ações pragmaticamente situadas, de sorte a se poder conceber objetividade relativa a cada jogo pragmático, e, de outro, autocompreensão e fiscalização da própria consciência, de sorte a detectar quando se está hipertrofiando uma dimensão pragmática, e, deste modo, desarticulando a dinâmica complexa em que se constitui a expressão intencional humana e suas ações consequentes.


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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