sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

(2010/646) Pequena heresia natalina sobre sinos e gemidos


1. Quando o pequeno Jesus fez-se homem grande, homem feito, se lhe deu na telha ares de rei, e disso fizera gosto, e tanto, que por isso pagou aquele preço que sói pagarem os que deliram nas varandas do Poder, de modo que lhe cravaram cravos e lhe puseram coroa e lhe pregaram na cruz uma morte de bandido. A vingança de seus discípulos foi fazer dessa morte a vitória do messias - a morte de Jesus se dá em lugar de muitos, porque o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir, e dar a sua vida em resgate de muitos. Uma vida em lugar de todas as vidas.

2. Alguém ouviu a história e cuidou ter-se lembrado de um episódio que, talvez, tenha por muitas vezes sido ouvido às rodas de Maria e José, Jesus, ainda, pequeno, ouvindo tudo, um acontecido quando Jesus não era, ainda, homem feito, mas frágil criança de colo. Foi quando os magos vieram a dar com a língua nos dentes, publicando nos telhados romanos de Jerusalém que nascera o rei dos judeus. Não o podendo ter especificamente entre os dedos estranguladores, Herodes manda matar todos os meninos, que morrem, enquanto Jesus é levado, à sorrelfa, para o Egito. Muitas vidas em lugar de uma vida.

3. Vai ver, quando menino, seus pais lhe contaram a história, e pesou sobre a consciência do nazareno a vida de tantos pequenos inocentes, crescido que, vai ver, fora à sombra desse peso de dor. Às vezes é assim, uma vida pela de muitos. Outras, é o contrário, a de muitos pela vida de um... E ele soube, então, que a vida dos homens é tão desenhada a sangue que até o Natal celebrou-se com morte... E conta-se que, naquela noite, no Egito, não soaram sinos, mas gemidos de mortos e de mães de mortos.



OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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