1. Outro dia, a China tentou censurar o Google. Ainda não foi dessa vez. Eventualmente as portas da frente são lacradas, mas - e a história nos deixa mentir? - sempre, absolutamente sempre restam as portas dos fundos, as janelas, os porões, as entradas de serviço, até as frestas das telhas. É desespero e destempero. É o sempre velho medo de perder o poder. É aquela absoluta dependência patológica do trono e da glória. É a falta da percepção de quais são os reais inimigos da civilização, das instituições, quais são os verdadeiros cupins dessas colunas. É isso que leva homens - e até mulheres! - a tais atitudes. Eventualmente, uma absoluta incapacidade de ler a situação, a incapacidade de lidar com ela, a frustração, a pequenez, a ineficiência, a ineficácia e a inefetividade - tudo junto e separado. Homens errados nos lugares errados...
2. Antes de eu continuar, e, assim, de aproximar o caso um pouco mais de mim mesmo, deixem-me dizer que há uma aparente contradição na história do empoderamento e de suas tentativas de castrar as forças vitais. Ora se a história demonstra, sem sursis, que o poder, mais cedo ou mais tarde, quebra as pernas, que o poder acaba por fazer o papel de imbecil total, que o poder, senhores, inevitavelmente, perde, e perde feio, por que, então, o poder, esse completo empedernido, insiste em suas estratégias de golpe, de cerceamento das liberdades, de excomunhão, de censura, de forca, de morte? Simples, meus amigos - porque o poder pensa apenas em si mesmo, quero dizer, ele próprio, o empoderado, só pensa em si mesmo, e pouco se lhe dá se vai durar duzentos anos a sua "instituição": o poder, melhor, o poderoso, isto é, o empoderado, agarra-se a "seu" poder, agarra-se a si, a seu estado, a sua condição - e todo o resto que se dane! Durante seu reinado, gozará do doce prazer de lamber os beiços, desfrutará aquela sensação hipnótica de assentar-se à cadeira mágica, de ver aos próprios pés o amontoado dos súditos da hora, e, quanto mais arriscada sua tão desejada glória, tanto mais feroz a sua reação contra as ameaças - sejam reais, sejam fruto dos delírios de poder (nada mais alucinógeno do que o poder!)... Nada há para o poder senão si mesmo - e os que põem em risco tal poder.
3. E eis-nos em dias de Google... O que é que você pensa que pode esconder? E de quem? Por mais gado que o gado seja, mais cedo ou mais tarde, ele vai saber... Mais cedo ou mais tarde, vai chegar aos ouvidos dele, e ele vai saber... Vão contar a ele. Ele vai ouvir durante a exibição de um filme. Vai interceptar a conversa no metrô. Vai ler na Galileu ou na Super. Alguém no Jô vai falar. Ele vai zapear a Net e, de repente, eis a informação, encarando-o. Eventualmente, até, ele mesmo lê na Bíblia!, ou, quem sabe?, cochicharão ao pé de seu ouvido, durante a ordenha... Todavia, uma vez que já sabemos que o que o empoderado quer é a manutenção para si mesmo das benesses desse empoderamento, entende-se a patologia de agarrar-se à idéia de que se podem controlar as informações, mesmo hoje, de que se podem esconder informações, nos dias de Internet, de que o mundo gira ao redor de seu desejo - princípio de prazer, neurose do querer... É um delírio, mas - fazer o quê?
4. Bem, até certo ponto, e até certo perímetro, até se podem controlar mais ou menos as informações, para isso cercando-se o empoderado de sustentadores - seu séquito posiciona-se entre a absoluta bajulação servil e a omissão irresponsável. Nos corredores, critica-se o poder, ri-se do rei, corre a troça escarninha. Nas sessões, cala-se. Quantos pregos não se põe no caixão da história com esse silêncio? E ele não se faz ouvir - um silêncio sonoro! - de três em três meses? Pois então...
5. Outra coisa importante de ser dita, senhores, é que a heresia é um termo militar - por isso, um termo "cristão", um cruzamento incestuoso de Paulo e Constantino. E isso revela o quanto o cristianismo aprendeu de seu(s) fundador(es)! Não há hipócrita maior do que o cristão fervoroso, salvo o cristão empoderado e fervoroso (síndrome de Nicéia!). Porque onde não há armamento, onde não há espingarda e fuzil, onde Constantino não há, o que há são divergências de opiniões, meramente isso, heterodoxias, e, se você deseja, e isso é bom, elas podem ser confrontadas num bom debate de idéias, salutar, inclusive. Mas o poder, quando empodrecido na raiz, quando acovardado na retórica de bastidores, disfarçado da santidade e da sanidade dos protocolos, mas doente até os ossos, brada a máxima militar, saca o revólver e dispara o tiro ignominioso, até porque escamoteado, na surdina, em segredo, bala que macula a história já de todo maculada da fé cristã, que teve dois filhos, o sangue e a morte, no começo e no fim.
6. Sim, conhecemos as histórias de heresia que o cristianismo, com cê minúsculo mesmo, que é o que merece, tem a contar. Outro dia, um ateu pop, Onfray, publicou uma peça de propaganda anti-cristã de péssima qualidade, e desfiou o rosário das maldades cristãs, e nem precisava, porque, antes dele, Saramago o fez com melhor performance, e qualquer bom compêndio acadêmico de História da Igreja o revelaria nos detalhes, sem recorrer-se aos "inimigos da fé". Da mesma forma como a Biblia não esconde os crimes de seus maiores heróis, a História da Igreja não enterrou no esquecimento as atrocidades de seus maiores santos. Mas há doutores que nada leram, o que havemos de pensar? Está-se a discutir a serventia dos papéis que penduram sobre a cabeça, porque bastaria a um bom par de olhos e a outro de ouvidos a memória do sangue dessa Igreja e dessa Bíblia, para que determinadas palavras não saíssem jamais de nossas bocas, quanto mais nobre elas sejam e quanto mais proeminência política tenham. E, no entanto, os olhos ficam brancos do gozo celestial, eu compreendo a fraqueza humana, quando se pode brincar de poder e gritar - fogueira! É doce o prazer do poder...
7. É é triste! Patético! O cume da montanha a soltar puns - porque é assim que será tratado o empoderamento, pela história, quando tudo tiver acabado: um pum ineficaz. Porque Belchior já cantou - o novo sempre vem, e Chico já disse, apesar de você...
8. Quanto a mim, a condição é de permanência na liberdade - livre, livre, livre - como sempre fui e sou. As asas batem, leves, e sentem a brisa da liberdade, da transparência, sentem o espelho translúcido no horizonte. E isso não é pouco. Eu posso dizer, como sempre disse, posso falar, como sempre falei, posso ser eu mesmo, como sempre fui, ter orgulho de dizer, de onde disse, de por que disse, de para quem disse, de quando disse: que delícia e paz não estar preso a uma masmorra de si mesmo, a uma encenação bufa e dantesca de si mesmo, paródia do que não se crê e se é forçado a dizer e a encenar, pelo valor que isso tem, a despeito de rasgar-se por dentro. Liberdade! Não será essa - também! - a expressão do Evangelho? É também daí, da inveja da liberdade dos outros, que advém a ira do forte - se eu não posso, que ninguém possa!, quando, na verdade, a liberdade acena a cada um, toda manhã, e lhe beija a face em serena oferta, toda noite... Bastaria recebê-la, como dom e conquista. Na prática, bastaria o diálogo - mas a espada parece sempre mais disposta aos holofotes, a espada reivindica o fio que tem afiado. Não dou uma década, para as luzes estarem queimadas, a ribalta, embolorada, e a memória, causticada pelo tempo que a tudo consome. Duvidam? É esperar. Nesse episódio, não está em jogo uma relação de trabalho - é o modus operandi de uma categoria inteira que se revela e apodrece à luz do dia, é um sistema revelando as entranhas, as tripas, por dentro do que corre um rio de odor nauseabundo. O que não é nenhuma novidade, porque disso já trataram os Princípios Batistas, que nenhum batista parece ler, de cima abaixo, evidentemente...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
2. Antes de eu continuar, e, assim, de aproximar o caso um pouco mais de mim mesmo, deixem-me dizer que há uma aparente contradição na história do empoderamento e de suas tentativas de castrar as forças vitais. Ora se a história demonstra, sem sursis, que o poder, mais cedo ou mais tarde, quebra as pernas, que o poder acaba por fazer o papel de imbecil total, que o poder, senhores, inevitavelmente, perde, e perde feio, por que, então, o poder, esse completo empedernido, insiste em suas estratégias de golpe, de cerceamento das liberdades, de excomunhão, de censura, de forca, de morte? Simples, meus amigos - porque o poder pensa apenas em si mesmo, quero dizer, ele próprio, o empoderado, só pensa em si mesmo, e pouco se lhe dá se vai durar duzentos anos a sua "instituição": o poder, melhor, o poderoso, isto é, o empoderado, agarra-se a "seu" poder, agarra-se a si, a seu estado, a sua condição - e todo o resto que se dane! Durante seu reinado, gozará do doce prazer de lamber os beiços, desfrutará aquela sensação hipnótica de assentar-se à cadeira mágica, de ver aos próprios pés o amontoado dos súditos da hora, e, quanto mais arriscada sua tão desejada glória, tanto mais feroz a sua reação contra as ameaças - sejam reais, sejam fruto dos delírios de poder (nada mais alucinógeno do que o poder!)... Nada há para o poder senão si mesmo - e os que põem em risco tal poder.
3. E eis-nos em dias de Google... O que é que você pensa que pode esconder? E de quem? Por mais gado que o gado seja, mais cedo ou mais tarde, ele vai saber... Mais cedo ou mais tarde, vai chegar aos ouvidos dele, e ele vai saber... Vão contar a ele. Ele vai ouvir durante a exibição de um filme. Vai interceptar a conversa no metrô. Vai ler na Galileu ou na Super. Alguém no Jô vai falar. Ele vai zapear a Net e, de repente, eis a informação, encarando-o. Eventualmente, até, ele mesmo lê na Bíblia!, ou, quem sabe?, cochicharão ao pé de seu ouvido, durante a ordenha... Todavia, uma vez que já sabemos que o que o empoderado quer é a manutenção para si mesmo das benesses desse empoderamento, entende-se a patologia de agarrar-se à idéia de que se podem controlar as informações, mesmo hoje, de que se podem esconder informações, nos dias de Internet, de que o mundo gira ao redor de seu desejo - princípio de prazer, neurose do querer... É um delírio, mas - fazer o quê?
4. Bem, até certo ponto, e até certo perímetro, até se podem controlar mais ou menos as informações, para isso cercando-se o empoderado de sustentadores - seu séquito posiciona-se entre a absoluta bajulação servil e a omissão irresponsável. Nos corredores, critica-se o poder, ri-se do rei, corre a troça escarninha. Nas sessões, cala-se. Quantos pregos não se põe no caixão da história com esse silêncio? E ele não se faz ouvir - um silêncio sonoro! - de três em três meses? Pois então...
5. Outra coisa importante de ser dita, senhores, é que a heresia é um termo militar - por isso, um termo "cristão", um cruzamento incestuoso de Paulo e Constantino. E isso revela o quanto o cristianismo aprendeu de seu(s) fundador(es)! Não há hipócrita maior do que o cristão fervoroso, salvo o cristão empoderado e fervoroso (síndrome de Nicéia!). Porque onde não há armamento, onde não há espingarda e fuzil, onde Constantino não há, o que há são divergências de opiniões, meramente isso, heterodoxias, e, se você deseja, e isso é bom, elas podem ser confrontadas num bom debate de idéias, salutar, inclusive. Mas o poder, quando empodrecido na raiz, quando acovardado na retórica de bastidores, disfarçado da santidade e da sanidade dos protocolos, mas doente até os ossos, brada a máxima militar, saca o revólver e dispara o tiro ignominioso, até porque escamoteado, na surdina, em segredo, bala que macula a história já de todo maculada da fé cristã, que teve dois filhos, o sangue e a morte, no começo e no fim.
6. Sim, conhecemos as histórias de heresia que o cristianismo, com cê minúsculo mesmo, que é o que merece, tem a contar. Outro dia, um ateu pop, Onfray, publicou uma peça de propaganda anti-cristã de péssima qualidade, e desfiou o rosário das maldades cristãs, e nem precisava, porque, antes dele, Saramago o fez com melhor performance, e qualquer bom compêndio acadêmico de História da Igreja o revelaria nos detalhes, sem recorrer-se aos "inimigos da fé". Da mesma forma como a Biblia não esconde os crimes de seus maiores heróis, a História da Igreja não enterrou no esquecimento as atrocidades de seus maiores santos. Mas há doutores que nada leram, o que havemos de pensar? Está-se a discutir a serventia dos papéis que penduram sobre a cabeça, porque bastaria a um bom par de olhos e a outro de ouvidos a memória do sangue dessa Igreja e dessa Bíblia, para que determinadas palavras não saíssem jamais de nossas bocas, quanto mais nobre elas sejam e quanto mais proeminência política tenham. E, no entanto, os olhos ficam brancos do gozo celestial, eu compreendo a fraqueza humana, quando se pode brincar de poder e gritar - fogueira! É doce o prazer do poder...
7. É é triste! Patético! O cume da montanha a soltar puns - porque é assim que será tratado o empoderamento, pela história, quando tudo tiver acabado: um pum ineficaz. Porque Belchior já cantou - o novo sempre vem, e Chico já disse, apesar de você...
8. Quanto a mim, a condição é de permanência na liberdade - livre, livre, livre - como sempre fui e sou. As asas batem, leves, e sentem a brisa da liberdade, da transparência, sentem o espelho translúcido no horizonte. E isso não é pouco. Eu posso dizer, como sempre disse, posso falar, como sempre falei, posso ser eu mesmo, como sempre fui, ter orgulho de dizer, de onde disse, de por que disse, de para quem disse, de quando disse: que delícia e paz não estar preso a uma masmorra de si mesmo, a uma encenação bufa e dantesca de si mesmo, paródia do que não se crê e se é forçado a dizer e a encenar, pelo valor que isso tem, a despeito de rasgar-se por dentro. Liberdade! Não será essa - também! - a expressão do Evangelho? É também daí, da inveja da liberdade dos outros, que advém a ira do forte - se eu não posso, que ninguém possa!, quando, na verdade, a liberdade acena a cada um, toda manhã, e lhe beija a face em serena oferta, toda noite... Bastaria recebê-la, como dom e conquista. Na prática, bastaria o diálogo - mas a espada parece sempre mais disposta aos holofotes, a espada reivindica o fio que tem afiado. Não dou uma década, para as luzes estarem queimadas, a ribalta, embolorada, e a memória, causticada pelo tempo que a tudo consome. Duvidam? É esperar. Nesse episódio, não está em jogo uma relação de trabalho - é o modus operandi de uma categoria inteira que se revela e apodrece à luz do dia, é um sistema revelando as entranhas, as tripas, por dentro do que corre um rio de odor nauseabundo. O que não é nenhuma novidade, porque disso já trataram os Princípios Batistas, que nenhum batista parece ler, de cima abaixo, evidentemente...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
3 comentários:
O poder se sustenta de baixo para cima. É a adesão ao "Leviatã" (Hobbes) que faz dele quem é. E ele acredita. E quanto maior for a adesão, mais poderoso ele será, mais verdades criará, e tanto maior será a crueldade e o sadismo. O problema é que há espíritos que não querem ser livres. Por alguma razão precisam do Leviatã, seja proteção ou qualquer outro benefício ou vantagem.
Solange Barifouse, essa descrição não sria válida apenas para o poder em tempos pós-protestantes, pré e já democráticos? Houve dias em que a "adesão" das massas era violentamente inevitável, e, nesse caso, Leviatã tinha sob suas garras os corpos da manada. Mas nos dias atuais, excetuando-se as reencenações daquele modelo antigo, aí, sim, considero que essa descrição é perfeita: a própria massa cozinha o delírio do poder, sustentando-o. Todavia, também pode desempoderá-lo. Quando o quer... Uma verz que falava eu do poder atual, aliás, atualíssimo, não vejo outra saída que não concordar com sua análise - de bom grado.
Será um belo dia pra se cantar:
Liberdade!, Liberdade!
Abre as asas sobre nós
E que a voz da igualdade
Seja sempre a nossa voz
ou talvez hoje já seja.
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