sábado, 17 de julho de 2010

(2010/432) Dos deuses e das heresias


1. Antes de me expressar sobre o tema do post, deixem-me esclarecer que heresia é alguma coisa que se materializa apenas e tão-somente quando e se se sacou uma arma, se desembainhou uma espada, se engatilhou uma espingarda, se armou a guilhotina - com poder de fazê-lo, com direito de o fazer. Onde se produz um cocoricocó verborrágico, não, aí não tem heresia, aí tem é pirraça ortodoxa a desferir tabuinhas e rótulos, porque não pode lavrar senteça e decidir sentença. Nos países republicanos, onde ainda há religiões e doutrinas, não há heresia: há heterodoxia legalizada. O doido do religioso que se mete a cuidar ser o dono da verdade é um batoteiro republicano, que dribla a regra do jogo, porque o jogo republicano prevê que toda e qualquer doutrina reigiosa tem todo o direito de ser, e livre trânsito, se, todavia, ela respeita as regras do jogo.

2. Dito isso, agora avanço para dizer que todo fundador de religião, todo deus ou semideus é, na origem, um herético. Se não o é, não funda coisa alguma, porquanto nadará na lagoa velha. Se é nova a doutrina, é-o em face de ter rompido com as antigas, um pouquinho que seja, em tudo, eventualmente. De manhã o sujeito acorda in, alguma coisa acontece com ele e, quando vai dormir, é out. Na manhã seguinte, é um herege, para os antigos, e um deus, para os novos. É assim que as coisas são.

3. O que faz risível a defesa da "sã doutrina", porque nela dorme a heresia, porque seu ovo foi uma heresia. A ortodoxia é uma heresia que acha que pode, que acha que tem espada, que acredita em si mesma, no delírio que um dia teve. A rigor, a ortodoxia é o empréstimo da fé a um terceiro, coisa que um iluminista não fará, nem pode.

4. Logo, a maior contradição das religiões é a heresia, que elas denunciam. No fundo, elas sabem o poder que têm as coisas enviezadas, já que, ela, a ortodoxia, um dia foi, também, uma cunha a rachar a madeira de lei da tradição. E tudo quanto um ortodoxo não quer é que os outros sejam iguais a ele, ainda que seja isso que ele pense que quer. Mas não: o que um ortodoxo quer é que os utros façam o que ele diz - mas, jamais! - o que ele fez... e faz...


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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