quarta-feira, 23 de junho de 2010

(2010/424) Eu insisto na Teologia acadêmica


1. Os homens permanecerão falando sobre os deuses - ou sobre deus - durante muito tempo, ainda. Não sei, chego a duvidar, se haverá um dia, no futuro, em que os homens deixem de falar dos deuses. Parece que eles, os deuses, estão entre nós desde há pelo menos 100.000 anos, de modo que é muito tempo. Não chega a terem passado para nosso DNA - realmente, não -, mas estão presentes em todas as culturas, em todos os lugares, em todos os tempos. Mesmo a Cortina de Ferro, quando caiu, revelou que lá estavam eles, como em todos os outros lugares do planeta. Mesmo que Nietzsche tenha profetizado a morte do "Deus" cristão - e o que fazia não era exatamnte "Teologia" -, ele mesmo sabia que os homens ainda carregariam por muitos séculos o seu cadáver. Em outras palavras, é o que penso.

2. Também não acredito que o modo como os homens continuem a falar dos deuses mude substancialmente. A crítica racionalista, a crítica romântica, é uma idiossincrasia ocidental, e, ainda mais, de uma pequena parcela da ocidentalidade. Assim como a África está saindo de uma situação de sem telefone fixo para uma situação de com telefonia móvel, talvez grandes partes do planeta saltem para as "próximas fases" da Globalização sem passar pelo Iluminismo, pelo Romantismo, pela Revolução Francesa, pelo Liberalismo filosófico inglês, de modo que é possível que a crítica ocidental da metafísica - logo, dos deuses - seja contornada. E disso depende substancialmente a sobrevivência dos deuses nos moldes desde há 100.000. Tem-se que contornar Feuerbach, ou não há jeito. Não, não há - não onde as coisas são levadas a sério.

3. Com isso, quero deixar claro que não me iludo com a defesa de uma Teologia heurística, como se ela fosse substituir a Teologia tal qual ela é praticada dentro das religiões, nos termos dos códigos religiosos. O que eu penso é na criação de uma "nova" Teologia, mais ou menos analogicamente ao que aconteceu, por exemplo, com a Química, que, em última análise, é filha da antiga Metalurgia primitiva e da mais nova Alquimia. Não as substituiu. Cindiu-se, convertendo-se em mais do que uma prática diferenciada - estabelecendo uma teoria diferenciada. Quem puder ler O Mistério das Catedrais, de Fulcanelli, poderá observar a Alquimia, e, depois, ir à loja da esquina comprar tinta para pintar a rua, para a Copa. Do mesmo modo, a Astronomia saiu de dentro da Astrologia. Não se tranformou. Cindiu-se. As duas estão por aí, cada uma dentro de seu próprio universo conceitual e metodológico.

4. Quando defendo que a Teologia universitária não pode, mas em nenhuma hipótese, comportar-se como confissão, seja ela qual for, o que estou dizendo é que ela deve transformar-se em prática científica, com o significado moderno desse termo. A Teologia "velha", metafísica, de crença, pode ficar para os grupos religiosos, eventualmente, até, para teólogos universitários enquanto crentes. Mas, em sala de aula, o que se deve procurar é uma Teologia acadêmica que possa servir de plataforma universitária para uma Teologia não-confessional, heurística, metodológica - que, eu sei, precisa ser inventada: não existe.

5. Seria necessária uma Teologia - no MEC, eu digo - em que, numa sala de aula, não importasse a religião do teólogo, o discurso fosse compatível. Não importa se o teólogo é cristão ou umbandista, o discurso teológico universitário deveria ser o mesmo para ambos. E não é. A começar pela principal questão - um é monoteísta, e, outro, "politeísta" (ainda que contas de chegada possam ser construídas para o "casamento" dos panteões). O problema fundamental que vejo é que cada religião está tomando seu conteúdo religioso, sua confissão, e fazendo disso, "Teologia" acadêmica, racionalizando o mito religioso, e dando-o por conhecimento. Nada disso é conhecimento - é mito, conteúdo metafísico. Seria preciso, pois, sair da dimensão do discurso (do conteúdo) e partir para a dimensão do método, e assim estabelecer uma plataforma metodológica que pudesse ser tratada como Teologia universitária. Não, ela não existe.

6. Da forma como eu penso a questão, se não chegarmos a fazer isso - a construir uma plataforma teórico-metodológica que se apresente como Teologia universitária, a Teologia confessional não suportará o ambiente universitário - e vice-versa. Se a Teologia não se converter, como são as demais ciências (humanistas), em método científico (humanista), não há absolutamente nenhum fundamento epistemológico para ela estar contada entre as outras ciências (conquanto se possam escrever artigos apologéticos). Não se trata, então, de ser melhor ou pior do que as ciências. Trata-se apenas disso: a Teologia que aí está não é ciência. E pior do que isso: parece não querer tornar-se uma delas.


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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