quarta-feira, 23 de junho de 2010

(2010/425) As mesmas perguntas, novas respostas


1. Desde que seja tomada como "data" didática, pode-se dizer que, até a Revolução Francesa, o Ocidente "sabia" tudo. Uma vez que o fundamento da "Verdade" era a Igreja, e a "Verdade" era a "Fé" (fé-enquanto-ensino, isto é, dogma e doutrina), o que deu-se foi que, no momento em que a Igreja deixou de ser o próprio mundo para transformar-se em um dos prédios do mundo, de um instante para o outro a "Verdade" ruiu, o fundamento, cedeu, e todAs, absolutamente todas as respostas - todas - tornaram-se pó e nada.

2. Logo se vê que não foi o Iluminismo em si o causador da tragédia. Foi a República, foi o Romantismo, que, a rigor, não se explicam, todavia, sem o Iluminismo. Mas, na prática, não foi a Razão que destronou a Fé - foi a República, foi ter sido tratada a Fé como o Folclore, ainda que o clero tenha mantido seu jogo, como o mantém até hoje.

3. Voltemos às respostas dissolvidas. Ora, as respostas não constituíam capricho humano. Estavam lá, na forma com que foram elaboradas, porque há perguntas fundamentais que as demandam - as impõem. E, se de um lado, o fundamento das respostas ruiu, por outro lado, as perguntas voltaram à tona. E precisavam, de novo, de novas respostas.

4. No entanto, não se podiam mais construir novas respostas do mesmo modo como as antigas haviam sido elaboradas. Não se trata, aí, de simplesmente trocar de respostas - como quem sai do Cristianismo e vai para o Islamismo, para isso siubstituindo um mito pelo outro. Tratava-se agora de dar respostas que só pudessem fazer sentido dentro das novas condições civilizatórias e teórico-metodológicas estabelecidas pelo novo jogo ocidental.

5. Foi nesse contexto que as ciências humanas começaram a nascer, efetivamente puxadas pelas questões hermenêuticas de Schleiermacher. Lógico! Se a Igreja não interpreta mais oficialmente coisa alguma, senão para ela mesma e para os seus, como, então, os textos devem ser interpretados? O que já se vinha discutindo dentro da Igreja havia pelo menos cem anos - a metodologia crítica - transbordou para a própria civilização, mas, agora, no âmbito filosófico inclusive, porque dela, da metodologia de interpretação, dependiam, agora, as respostas. É nesse contexto que se entende porque a resposta de Scheleiermacher só podia ser a busca pela intencionalidade histórica do escritor do texto - não era mais "Deus" o autor dos textos, mas os homens. Logo, se não se pode ouvi-los, como, antes, a Igreja ouvia Deus, não se pode então entender os textos (sem poder recorrer a Deus, e sem querer enfrentar a dificílima tarefa de ouvir os mortos, setores da Hermenêutica brincam de fingir que é possível ouvir "seriamente" o próprio texto... um deus não-nomeado).

6. No final do século de Schleiermacher, a questão fundamental de "como ler" ultrapassa os próprios textos, e, assim tratados igualmente como textos que precisam ser lidos, cada vez maiores e, ao mesmo tempo, mais específicos setores e aspectos da "realidade" vão sendo englobados nas novas metodologias: como ler a sociedade? Sociologia. Como ler a cultura? Antropologia. Como ler a Psiquê? Psicologia. E assim por diante. Ler. Método. Eis aí a cara do século XIX.

7. Isso significa que a essência das ciências humanas, e, de resto, das ciências, é ser metodologia de "leitura" da realidade - e, numa palavra, metodologia crítica. Não se pode mais ler a realidade a partir dos dogmas, quaisquer que sejam eles, e não necessariamente porque eles estejam errados - eventualmente estão mesmo, alguns então, nenhuma chance de serem minimamente verdadeiros, outros, vai-se saber. Deve-se ler a realidade a partir de métodos para isso criticamente elaborados. O que explica muito bem aquela declaração também do final do século XIX, de Nietzsche: o mais importante são os métodos, ele dizia, mas que têm contra si a preguiça e os costumes.


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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