1. Não vou aqui arriscar um status quaestionis. Talvez outra hora. Quero apenas fazer referência ao fato de que Umberto Eco saiu-se com a opção pela "intenção do texto". Em seu livro Interpretação e Superinterpretação, decidiu fugir de um dentre dois constrangimentos. E fez, a meu ver, papel ainda mais constrangedor.
2. Eco não queria assumir e não assumiu uma cada vez mais criticada em dias cada vez mais pós-modernos "intentio auctoris" - isto é, não queria estabelecer como "objetivo" da interpretação o alcance da "psicologia intencional" do autor de um texto. De fato, é problemática essa opção, conquanto eu a adote conscientemente. Saltar do pergaminho à psiquê...
3. Eco não queria, ainda, adotar a absolutamente e assumidamente relativística "intentio lectoris" - isto é, assumir que não importa o que o escritor tenha escrito, o leitor entende o que ele, leitor, quiser e pode. De fato, perde-se totalmente a "objetividade crítica", quando se opta pela subjetividade incontrolável do leitor, e, de mais a mais, ninguém há de querer ter escrito xis e ser acusado de ter escrito ypsilon, de modo que igualmente resulta constrangedor afirmar-se, publicamente, que sou eu, leitor, que decido o que vou ou não vou entender do texto, não importa nem quem o tenha escrito nem quando.
4. Como se de fato existisse uma terceira via, Eco postula e defende uma alegada "intentio operis", isto é, ler não a partir do autor nem do leitor - mas do próprio texto. Alega-se que o texto, em si, contém uma "estrutura" significativa... Resta demonstrá-lo. O problema é que estamos em dias em que se pode dizer coisas... sem demonstrá-las. De fato, Interpretação e Superinterpretação não demonstra coisa alguma quanto a essa "decisão".
5. Corro o risco de simplificar demais a questão - mas assumo o risco: tem-se usado o termo "semiótica" para contornar, a meu ver sem nenhuma satisfação pública, a questão fundamental da "sede", do topos, do sentido hermenêutico. Ora, "sentido" é função APENAS da consciência humana, da mente humana. Não há "sentido" nas coisas, em nenhuma delas. Um texto é uma coisa - e nada mais do que uma coisa, se você o descola das pessoas, as únicas, que o podem sustentar: o escritor ou o leitor.
6. O que se tem chamado de leitura do texto em si, chamdo, então, de "semiótica", fugindo, assim, à satisfação de demonstrar em que pé as coisas se dão, se se ouve, de fato, o autor, ou, na verdade, se se projeta a própria voz na carne morta do texto, é, na verdade, projeção de sentido - o que Croatto chamava de eisegese. E aqui há uma questão importante, um parêntesis, ao menos.
7. Intentio lectoris é eisegese assumida. Intentio auctoris tem na eisegese um risco. Intentio lectoris é, assumidamente, produção de sentido - é isso que ela quer fazer e faz. Intentio auctoris corre o risco de ser produção de sentido, mas o que ela quer fazer e deve fazer - faz? - é recuperar sentido: o sentido humano projetado pela consciência humana no texto humano. Intentio lectoris é arte (quando "personalíssima") ou política (quando "pública"). Intentio auctoris - se existe isso - é heurística.
8. Nesse sentido, o que é o que se tem chamado de semiótica, como tentativa de contornar essas duas incoveniências metodológicas? A meu ver - intentio lectoris, sem assumir que é intentio lectoris. A coisa se me apresenta como o mesmo flagrante de Umberto Eco desviando a questão, e propondo uma saída ao estilo do Leão da Montanha - pela direita: ah, eis aqui a salvação da lavoura, a politicamente correta intenção do texto... ou, a "semiótica".
9. Sei lá, posso estar delirando, errado, incomodado. Se for o caso, saberão me demonstrar o equívoco. Ou não, porque está na moda dizer e pronto. Demonstração, satisfação do próprio discurso é alguma coisa cada vez mais comemoradamente anacrônica... É que é muito constrangedor assumir intentio auctoris ou intentio lectoris. Aí, vamos de semiótica mesmo... Não?
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
2. Eco não queria assumir e não assumiu uma cada vez mais criticada em dias cada vez mais pós-modernos "intentio auctoris" - isto é, não queria estabelecer como "objetivo" da interpretação o alcance da "psicologia intencional" do autor de um texto. De fato, é problemática essa opção, conquanto eu a adote conscientemente. Saltar do pergaminho à psiquê...
3. Eco não queria, ainda, adotar a absolutamente e assumidamente relativística "intentio lectoris" - isto é, assumir que não importa o que o escritor tenha escrito, o leitor entende o que ele, leitor, quiser e pode. De fato, perde-se totalmente a "objetividade crítica", quando se opta pela subjetividade incontrolável do leitor, e, de mais a mais, ninguém há de querer ter escrito xis e ser acusado de ter escrito ypsilon, de modo que igualmente resulta constrangedor afirmar-se, publicamente, que sou eu, leitor, que decido o que vou ou não vou entender do texto, não importa nem quem o tenha escrito nem quando.
4. Como se de fato existisse uma terceira via, Eco postula e defende uma alegada "intentio operis", isto é, ler não a partir do autor nem do leitor - mas do próprio texto. Alega-se que o texto, em si, contém uma "estrutura" significativa... Resta demonstrá-lo. O problema é que estamos em dias em que se pode dizer coisas... sem demonstrá-las. De fato, Interpretação e Superinterpretação não demonstra coisa alguma quanto a essa "decisão".
5. Corro o risco de simplificar demais a questão - mas assumo o risco: tem-se usado o termo "semiótica" para contornar, a meu ver sem nenhuma satisfação pública, a questão fundamental da "sede", do topos, do sentido hermenêutico. Ora, "sentido" é função APENAS da consciência humana, da mente humana. Não há "sentido" nas coisas, em nenhuma delas. Um texto é uma coisa - e nada mais do que uma coisa, se você o descola das pessoas, as únicas, que o podem sustentar: o escritor ou o leitor.
6. O que se tem chamado de leitura do texto em si, chamdo, então, de "semiótica", fugindo, assim, à satisfação de demonstrar em que pé as coisas se dão, se se ouve, de fato, o autor, ou, na verdade, se se projeta a própria voz na carne morta do texto, é, na verdade, projeção de sentido - o que Croatto chamava de eisegese. E aqui há uma questão importante, um parêntesis, ao menos.
7. Intentio lectoris é eisegese assumida. Intentio auctoris tem na eisegese um risco. Intentio lectoris é, assumidamente, produção de sentido - é isso que ela quer fazer e faz. Intentio auctoris corre o risco de ser produção de sentido, mas o que ela quer fazer e deve fazer - faz? - é recuperar sentido: o sentido humano projetado pela consciência humana no texto humano. Intentio lectoris é arte (quando "personalíssima") ou política (quando "pública"). Intentio auctoris - se existe isso - é heurística.
8. Nesse sentido, o que é o que se tem chamado de semiótica, como tentativa de contornar essas duas incoveniências metodológicas? A meu ver - intentio lectoris, sem assumir que é intentio lectoris. A coisa se me apresenta como o mesmo flagrante de Umberto Eco desviando a questão, e propondo uma saída ao estilo do Leão da Montanha - pela direita: ah, eis aqui a salvação da lavoura, a politicamente correta intenção do texto... ou, a "semiótica".
9. Sei lá, posso estar delirando, errado, incomodado. Se for o caso, saberão me demonstrar o equívoco. Ou não, porque está na moda dizer e pronto. Demonstração, satisfação do próprio discurso é alguma coisa cada vez mais comemoradamente anacrônica... É que é muito constrangedor assumir intentio auctoris ou intentio lectoris. Aí, vamos de semiótica mesmo... Não?
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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