domingo, 11 de abril de 2010

(2010/311) História feita à moda teológica


1. Um fragmento póstumo de Nietzsche, recolhido à mesma fonte do post anterior. Uma obra muito boa essa coletânea de Escritos sobre História, de Nietzsche, aristocrata "evolucionista" que o século XX, com seu indisfarçável gosto pré e pós-moderno - tanto faz a direção em que se olhe, dá no mesmo - reduziu a uma fornalha metafórica, um destruidor da história - decerto não se leu Nietzsche, reproduziu-se cacofonicamente alguma balbúrdia pronunciada após uns goles a mais... Bem, mas ei-lo, o fragmento:

2. "Os eruditos alemães e os chamados pensadores alemães, distantes da história real, fizeram da história o seu tema e, como bons teólogos de nascimento, procuraram a comprovação da sua racionalidade. Temo que numa época futura se considere esta contribuição alemã à cultura européia como sendo o seu dote mais miserável: a sua história é falsa!" (p. 243).

3. Todo "ódio" que a Teologia nutrir por Nietzsche é pouco - porque ninguém a denunciou tanto como falsidade do que esse filho de pastor protestante... Esse fragmento póstumo não tem como ser desmentido: ainda se chama "teologia histórica" a reflexão de Oscar Cullmann e de Wolfgang Pannemberg! História? Mas... como assim? Não há nada de "história" ali, salvo raconalização mitológica da provinciana história da salvação que, em si mesma, é platônica, depois, agostiniana, logo, metafísica, ontológica, teológica - mito.

4. O que a Teologia chama de história é a encenação mitoplástica de um enredo mitológico, é uma racionalização - ao "modelo retórico da história - de doutrinas e crenças sistematizadas, é o mundo virado de ponta-cabeça. Não é história isso a que os teólogos chamam de história. História - que, contudo, senhores, nasceu também na Alemanha, porque o método histórico-crítico é filho de protestantes alemães! - é contingência, História é imanência, História é aleatoriedade, História é abertura ao imprevisto e ao imprevisível. O que se chama de história, e se reproduz como telos, é teologia disfarçada. A rigor, é política disfarçada... É, sempre, um clero a fabricá-la, e uma fábrica de catecúmenos a repeti-la... Ou, dito de outro modo:

5. "A maneira gótica de Hegel quando toma o céu de assalto ( - Epigonalidade). Tentativa de introduzir uma espécie de razão na evolução: - eu estou no extremo oposto, vejo inclusive na própria lógica uma espécie de desrazão e de acaso. Esforçamo-nos para compreender como foi na maior desrazão, quer dizer, na ausência de qualquer razão, que se produziu a evolução que leva até o homem" (p. 243).


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

PS. se alguém me acusa de ser, portanto, um não-teólogo, dou de ombros. Insisto: sou teólogo. Mas a Teologia não pode ser mais o que era há duzentos anos - e ainda o é. Tanto quanto a Química, apesar de ser filha e neta delas, não pode ser mais Metalurgia iniciática nem Alquimia... Não sou - aí, sim - um teólogo medieval, nem um teólogo pseudo-moderno, nem faço força para brincar de Idade Média. Faço força - sim, faço - para parir-me como teólogo do século XXI. E, se for para ser aqui o que se era lá, desistirei tão rápido que meu nome se apagará da história das tentativas.

Um comentário:

Robson Guerra disse...

Oi Osvaldo

Nietzsche é ótimo!!!

Lembro-me agora que numa aula de um professor a uns semestre atrás, disse que a História da Salvação não era história, era doutrina, mito - pois o professor queria fazer uma abordagem da teologia não mais a partir da filosofia, mas a partir das Ciências Humanas e, então começou, a partir de um texto, a falar da História da Salvação - eu disse que isso não era História, era doutrina. Quase apanhei!!!! rsrsrsrsrsrs

Agora numa certa aula fala-se sobre o culto na história bíblica.
"Vamos seguir a linha histórica da Bíblia e analisar as formas de culto no decorrer da "revelação progressiva de Deus'"... Aí, eu morro de rir dentro de mim...

Agora lendo estes trechos de Nietzsche e o seu comentário fico ainda mais feliz.

Ou se leva a História á sério ou se deixa ela em paz. Não se brinca de fazer História. Infelizmente a Teologia clássica e ontológica brinca de História. Isso eu não quero mais.

E dá-lhe Nietzsche na cabeça deles. Eita, martelo sinistro...

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