1. Parada, na porta de nossa casa. Um condomínio de casas, fechado, murado, com portão e vigia. Mas lá estava ela, parada, de pé, em frente à nossa casa. Foi Bel quem a viu, desde a cozinha, pela janela. Observou-a, surpresa daquela aparição. Bel foi até o pequeno quintal de poucas plantas e muro baixo. Fitaram-se, as duas. Ali estavam, as criaturas mais sublimes do Universo, as duas fêmeas, a fitarem-se, a trocarem todos os segredos. O tempo parou, enquanto trocavam aquele olhar profundo e quase eterno.
2. A égua aproximou-se. Eram amigas. Bel deu-lhe água. Por longos minutos, muitos, muitos minutos, ela sorveu tranqüila a água que Bel lhe oferecia. Tinha sede. Bel pediu-me algo para dar de comer à criatura mágica que pousara em nosso portão. Peguei aveia. Não tinha muita. Pusemos num pote raso, e lha demos. Ela comeu, sorrindo, e fazendo colarem-se em seu focinho dezenas de flocos. Mas era tão pouca... Jordão pegou as cenouras. Eram quatro, de razoável tamanho. Bel lhas deu, uma a uma. Delicada, ela mordisca a ponta de uma, e a engole, mastigando-a. Uma, outra, mais uma, todas. E também a couve, cada uma das suculentas folhas.
3. O unicórnio volta a beber da água que Bel lhe dá, e elas trocam um último olhar. Aqueles olhos, Deus do céu, não são olhos de bicho. Não são, não. São olhos de outro mundo, a fitarem a alma da gente, a dizer-nos que todos os segredos findaram, que tudo sobre nós é dito e sabido, e que toda a dor se silencia.
4. E ela se afasta. Caminha serena, afastando-se. Dobra à direita, e desaparece. Fica, apenas, a lágrima no rosto da gente, e o desejo de que não tenha sido uma simples égua, mas um anjo, quem sabe, a nos dar um pouco de paz, para nós, que, há muito, descremos de anjos...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
2. A égua aproximou-se. Eram amigas. Bel deu-lhe água. Por longos minutos, muitos, muitos minutos, ela sorveu tranqüila a água que Bel lhe oferecia. Tinha sede. Bel pediu-me algo para dar de comer à criatura mágica que pousara em nosso portão. Peguei aveia. Não tinha muita. Pusemos num pote raso, e lha demos. Ela comeu, sorrindo, e fazendo colarem-se em seu focinho dezenas de flocos. Mas era tão pouca... Jordão pegou as cenouras. Eram quatro, de razoável tamanho. Bel lhas deu, uma a uma. Delicada, ela mordisca a ponta de uma, e a engole, mastigando-a. Uma, outra, mais uma, todas. E também a couve, cada uma das suculentas folhas.
3. O unicórnio volta a beber da água que Bel lhe dá, e elas trocam um último olhar. Aqueles olhos, Deus do céu, não são olhos de bicho. Não são, não. São olhos de outro mundo, a fitarem a alma da gente, a dizer-nos que todos os segredos findaram, que tudo sobre nós é dito e sabido, e que toda a dor se silencia.
4. E ela se afasta. Caminha serena, afastando-se. Dobra à direita, e desaparece. Fica, apenas, a lágrima no rosto da gente, e o desejo de que não tenha sido uma simples égua, mas um anjo, quem sabe, a nos dar um pouco de paz, para nós, que, há muito, descremos de anjos...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
Um comentário:
Além de qualquer comentário. Foi um anjo, com certeza. Quanta sensibilidade escorrendo, inundou meu quarto e deu-me vontade de ser uma égua para beber toda essa água e matar minha sede de transcendência. "A vida só é possível reinventada".
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