1. Ontem foi a Formatura da turma de Teologia 2009 do Campus Avançado Nova Iguaçu do Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil, campus que existe há mais de 25 - vinte e cinco! - anos, primeiro na PIB de Mesquita e, desde 86, 87, e até agora, na PIB de Nova Iguaçu. Estudei lá de 87 a 2002, e lá leciono desde 93. Tive a honra de ser escolhido Paraninfo.
2. Um dos colegas professores presentes, quando confraternizávamos, pediu-me que escrevesse o discurso. Cá vai ele, alinhavado e simplificado.
3. Propus que a "mediação" - do lado "evangélico" - da crise da Teologia, crise essa em face de seu ingresso no MEC, decorrente, então, das exigências epistemológicas por isso impostas à congregação dos teólogos (e das teólogas), fosse resolvida por meio da Pragmática.
4. Toda ação intencional humana, isto é, não fisiológica, logo, dotada de sentido, enquadra-se num de três universos pragmáticos: sentir, querer, saber, ou, dito de outro modo, estética, política, heurística. Disso se pode ler em Aristóteles, Kant, Nietzsche, Peirce, Morin...
5. Faço, pois, pôr cada aspecto da crise teológica em seu adequado nicho pragmático e, assim, revelar o quanto é falsa a crise, no sentido de que ela se instala por força de uma absoluta incompreensão do jogo, das regras do jogo e, naturalmente, das intenções não suficientemente explícitas dos jogadores.
6. Tomo três aspectos relevantes da "Teologia" (a velha) - a espiritualidade, a pastoral e ela própria, o resíduo teológico em si.
7. A espiritualidade é estética. Logo, é subjetiva, pessoal. Não pode ser julgada, avaliada. Cada qual manifesta sua espiritualidade de acordo com sua própria constituição e inserção cultutal/social. Não há f(ô)mas, conquanto se queiram fabricar espiritualidades, à quisa do modelo fordista de automóveis. Cada pessoa é livre - deve ser - para expressar-se espiritualmente, em conformidade - apenas - com sua sensibilidade. Porque a espiritualidade é o encontro do sujeito consigo mesmo, encontro esse tornado posível por meio de um "mediador" externo - um objeto, um cenário, um lugar, uma idéia... No MEC, Teologia não é espiritualidade. Não é estética...
8. A pastoral é política. Isso quer dizer que ela é a relação de pessoas com pessoas. Pastoral é cuidado com pessoas. A pastoral não é pregação, não é administração de empresa, não é catequese, não é ensino. Pastoral é "cuidado". A pastoral é o universo dos e das curas d'alma. Não é um serviço a Deus - é um serviço aos homens e às mulheres. Não é um serviço à religião - é um serviço a pessoas concretas. Não é um serviço à fé - é um serviço àquele e àquela necessitados, aqui e agora. Deus, a religião, a fé, podem tornar-se estorvos à pastoral. O espetáculo fatalmente torna a pastoral um embuste, uma farsa, uma falácia (um crime?). Não há pastoral de cinco mil... Nem no MEC...
9. À Teologia, pois, resta o campo da heurística - da pesquisa, da crítica, da investigação - e pesquisa do mundo, do real. A Teologia, não sendo nem espiritualidade nem pastoral, assume-se enquanto "ciência humana" (em formação, em crise de formulação, em fase de discussão de seu estatuto epistemológico). A pesquisa não há de confrontar-se com a espiritualidade, porque se trata de pragmáticas distintas - uma, a do fruir e experimentar, e, outra, a do saber. Também não se confrontará com a pastoral - e pela mesma razão. Conquanto, certamente, há de tornar mais lúcidas ambas: uma espiritualidade ignorante é tão perigosa quanto uma pastoral ignorante, conquanto também possam ser absolutamente inofensivas.
10. Em termos simples é isso. Naturalmente que a discussão não termina aí. Fica a pergunta: e onde pôr "as verdades dos dogmas"? Bem, a rigor, hoje, elas estão inseridas na pragmática política: declarações de fé são catequeticamente impostas às (sub)consciências humanas, tarjadas de "verdades inquestionáveis", quando, todos sabemos, trata-se de formulações históricas, datáveis, com paternidade sabida, fruto de especulações aqui, erros crassos de exegese, ali, má fé, acolá. Dogma é, nada mais, nada menos, do que política em estado poluído.
11. Um alerta, queridos e queridas. Quando tentarmos nos acomodar a esse discurso, quando considerarmos que é fácil pegar a palavra "dogma" e aplicá-la aos outros, mas não a nós, porque nós, ah, nós, somos sempre "bons", mas os outros, ah, os outros, são sempre "eles", tenhamos a coragem de reconhecer que, se tiramos os dogmas, as doutrinas, as catequeses, cai tudo - até nosso querido "Jesus", a rigor, dogma nicênico, porque o real, o histórico...
12. Se, ainda assim, quero manter esses discursos, essas prédicas, essas maneiras, posso? Posso, claro, mas no campo da estética. Quão mais profunda a espiritualidade, tanto mais manufaturada a idéia do divino, nascida em Nicéia, mas residindo, agora, em meu ventre. Se eu reconheceço isso, está tudo bem, porque não vou me pronunciar como se o mundo tivesse relação com minha percepção estética. Se eu tenho consciência da condição estética de minha fé, meu "Jesus" jamais será imposto - sequer pregado! - a ninguém. Viverá, como os serafins, voejando sobre minha cabeça - mas eu saberei disso! É, por assim dizer, um amigo "meu", mas um amigo "imaginário". Se, contudo, ainda o quero ver na face de todos, na boca de todos, de joelhos, é porque, afinal, a política ainda me carrega pelos cabelos...
13. Portanto, amigos, cuidado. Quando cuidamos pôr os outos no redil, é a nós mesmos que condenamos. Não esperem de mim discursos de fácil acomodação. Não há, senão na estética, lugar para brincarmos de cristianismo. A salvação política do cristianiso é a pastoral humana/humanitária. E a salvação da Teologia é a sua morte para ontem, e ressurreição para uma nova existência.
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
Um comentário:
Oi, Osvaldo
Ótimo discurso. Muito bom mesmo. A cerimônia toda foi emocionante.
Se os pastores que estavam presentes levarema à sério o que foi dito; se os formandos levarem à sério também, provavelmente teremos muitas mudanças em nossas igrejas.
Na hora em que você falou sobre o fato de que muitas vezes se fala que os membros das igrejas não têm condições de lidar com o conhecimento que obtemos (construímos!) no seminário, pensei na afirmação de Paulo Freire de que temos que acreditar nos homens (e nas mulheres). Freire diz que temos de ter uma profunda fé nos homens, se não, não haverá educação tranformadora e libertadora.
Sim, nós temos de aprender a acreditar nas pessoas, que elas são capazes de pensar certo, como diz Paulo Freire. Quando diz-se que elas não são capazes de lidar com o conhecimento, subestima-se seu potencial. Os pastores e professores de Teologia, nós, temos que ter uma profunda fé nas pessoas; pensar com elas; construir uma nova sociedade com elas. Nada de paternalismo.
Enfim, ontem tivemos uma aula e tanto!
Um abraço!
Robson Guerra
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