sábado, 10 de outubro de 2009

(2009/535) E Deus pode ficar nu?


1. Discutíamos ontem sobre a metáfora das "roupas de Deus". Estávamos diante de uma proposição mais ou menos assim: "é necessário que as velhas roupas de Deus sejam despidas, e que Deus seja experimentado na vida". "Tirar as velhas roupas de Deus" significaria desconsiderar velhas doutrinas sobre Deus. Tirar, pois, as velhas doutrinas, significava o ponto final da constatação de que homens e mulheres teriam sido e seriam vítimas da manipulação dogmática por parte da "Igreja". Assim, tirar as roupas de Deus seria um modo de libertar homens e mulheres do poder opressor da "Igreja"...

2. Trata-se de um discurso político. Tenho-o ouvido da "boca" de teólogos de diferentes zonas de engajamento, desde as zonas "evangeliciais" até a zona mais aguerrida da Tdl e do MST, passando, ninguém se surpreenda, pela "academia" (e falo de "Ciências da Religião"). Tais discursos, fazem que atravessam o corpo de Deus, conforme apresentado pela "Igreja" - ou seja, a ala "poderosa" da Igreja -, e, por meio dessa estratégia retórica, denunciam a opressão que a "Igreja" produz por meio a manipulação das doutrinas e da dogmática - "univocizantes". Tirar as roupas de Deus constitui, pois, para esse discurso telógico, uma operação revolucionária, uma ação libertadora.

3. Não posso dizer, com certeza, se os operadores desse discurso sabem o que estão fazendo - se fazem uma ontologia de base plural, ou se, pra valer, operam no campo da metáfora. Seja como for, partem do pressuposto de que se pode despir Deus, e ele, assim, despido... permanecer.

4. Ora, parece-me ou um equívoco epistemológico, ou uma desconsideração proposital da Epistemologia. Na prática do discurso humano, Deus são as roupas que vestimos nele - e mais nada. Se você tirar as roupas de Deus, não fica ali, onde estivera um Deus vestido, agora, um Deus nu. Simplesmente Deus desaparece, some, evapora, porque Deus são as roupas que pusemos nele. Na prátia da cosnciência humana, pensar "Deus" é, já, vesti-lo. Só se pode pensar Deus por meio de roupas. Um Deus nu não é algo que caiba na experiência humana.

5. Se, para além do Deus-vestido, há alguma coisa - não se pode saber. Que sabemos, mas, eventualmente, se pode negar ou dissimular, é que o Deus a quem nos referimos é, sempre, absolutamente sempre, necessariamente, Deus-nosso. Posso, eventualmente, perguntar-se se há ago, se há alguém, "lá". A resposta "sim" e a resposta "não", são, já, roupa - e se as uso, sim e o não, para "animar" comunidades, animo-as na condição de alfaiate - e teólogos clássicos são isso: alfaiates.

6. Mas a proposição considera o seguinte: desvestir as velhas roupas de Deus, e vesti-lo com novas roupas, ou, eventualmente, até, deixá-lo nu. Vestir novas roupas, vá lá. Deixá-lo nu - para ser experimentado na vida, é um argumento em falso. Deus pode vestir ouro e púrpura, como no Vaticano, ou trapos e andrajos, como quer Francisco, mas, nos dois casos, é o Deus-do-Vaticano e o Deus-do-Francisco. Na prática do discurso humano, nao há outro Deus que não o de alguém, não há Deus algum que não o conforme ao discurso de alguém.

7. Acabou, para a Humanidade, se ela refletir os ganhos epistemológicos desde os séculos XVII e XVIII, concentrados no XIX, acabou para ela a possibilidade de "falar" de um Deus. Claro que ela fala, ainda, e falará ainda, por muitos anos. Mas está patente que ela fala de si mesma, brinca de vestir uma idéia, e de fazê-la crida aqui e ali. Se a isso se chamar "libertação", é tão-somente em face de uma outra prisão que se pode dizê-lo...

8. Ao homem e à mulher modernos, não cabe senão brincar, cada qual, com seu próprio "Deus", cada qual com sua própria roupa, cada qual, a cada manhã, pondo uma camisa apropriada para o tempo. Nos domingos, um terno de missa...

9. Qualquer tentativa de denunciar falsas roupas em um Deus verdadeiro deve ser recebida com muita suspeita. Pode-se recusar as roupas velhas - mas ao preço de, das duas uma: ou ficar sem Deus com que brincar, ou brincar com outras roupas. Mas, insista-se, são apenas isso - roupas. Dentro, não vai naa senão o avesso do tecido humano... Porque os teólogos são criadores, e, enquanto criadores, são, por isso, alfaiates.


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

2 comentários:

Robson Guerra disse...

E não tem aquele teólogo que a gente estudou no ano passado que disse que Deus não precisa de Teologia (acho que foi o Mueller)?

Deus não precisaria de Teologia, ou seja, Deus não precisaria de roupas! Poderíamos lidar com ele nu mesmo. Que constrangedor. Uma impropriedade. E é doutor, hein?

É como o homem invisível. Tira a roupa e não se vê nada. (Mas pelo menos o homem invisível tá lá - no filme - já Deus, a gente não tem como saber).

Peroratio disse...

Robson, o fato de um teólogo ser "doutor" não significa que aceite as regras da epistemologia das Ciências Humanas. De qualquer forma, devem ser respeitados enquanto pessoas, gente que são - conquanto suas opiniões possam e devam ser criticadas, se elas se assenhoreiam, sem direitos, de porções dos continetes sob administração de outras disciplinas.

Então, assim: um teólogo clássico, que seja, tem todo direito de dizer o que queira sobre Deus. Mas, quando fala sobre homem, mundo, pensamento, consciência, conhecimento, planeta, ecologia, ciência etc., peca, porque teologia não entende de nada disso.

Quando um teólogo vai refletir com seriedade, e isso signfica, para além de seu solipsismo fideísta voluntarista, traditivo-normativo, ou pega a mala das ciências, ou dará nisso que você menciona.

Somos livres. Não fazemos porque não queremos. Pagamos o preço, então.

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