sexta-feira, 11 de setembro de 2009

(2009/462) Enquanto isso


1. ... nos morros cariocas, o tráfico adota o Evangelho. Um dos maiores e mais organizados grupos criminosos do Rio de Janeiro tem por lema: Fé em Deus. Quando os comandos saem dos morros, seja para assaltos e que tais, seja para invasões a morros inimigos, oram, cantam, lêem a Bíblia - são os novos soldados de Deus, igualzinho como no Antigo Testamento, e igualzinho como nos corinhos evangélicos, que nunca aprenderam nada sobre paz... Lázaro virou um cântico padrão...

2. Na Maré, corinhos evangélicos, que mencionam armas, isto é, a Bíblia, são entoados por soldados de Deus abraçados a fuzis AR-15. No alemão, soldados de Deus têm suas famílias bem-guardadas em igrejas, onde seus recém-nascidos são apresentados a Jesus. A fé os protege nas campanhas, em "missões" - os novos "missionários de Jesus": quem eles atingem, vão direto pro céu, se me entendem... Conta-se, folclore?, de uma "chefona" que, a cada execução, põe a tocar um certo corinho evangélico, como o matador do conto brasileiro, que, a cada execução, tem uma vela acesa...

3. Tudo isso, de fonte segura: seminaristas que moram nesses morros, nas "comunidades". Um deles foi parado pro uma blitz de traficantes, numa das transversais da Avenida Brasil. Paulo, seu nome. Desceram ele e a funcionária. Tomaram-lhes tudo. Quando lhe ia ficando com a aliança, leu que estava escrito "sou do Senhor", "aliança do Senhor", algo assim (cito de memória). Imediatamente, o cappo mandou devolver tudo, carro, roupas, documentos, dinheiro, tudo, exceto a camisa oficial do Vasco, e teria dito aos soldados de Deus: "ele é do Homem, ele é do Homem". Ao Paulo, ele teria pedido desculpas. Iam invadir uma comunidade, precisavam de carro, e não queriam que Deus os abandonasse...

4. Há cerca de dez, quinze anos, os traficantes dirigiam-se a terreiros de candomblé e de umbanda, atrás de serviços de Ogum que lhes fechassem o corpo - não é à toa que São Jorge é tão forte no Rio de Janeiro... Hoje, quando os terreiros não são simplesmente desprezados, seus adeptos retornando ao mundo invisível da não-valia, são expulsos dos morros. O tráfico descobriu, finalmente, o "poder de Deus", a "força do Evangelho".

5. No asfalto, grassa a Teologia da prospridade, com escancarados traços da simbólica brasileira - elementos extraídos da umbanda, dos cultos afros, mas demonizados. Milhões lotam os templos. Atrás do "poder de Deus". Ouço quem critique Macedo, e pregue Malaquias - bem, quem criticar Macedo, que critique seu mestre, Malaquias. Quem criticar a prática neo-evangélica dos morros cariocas - alguém tem informações sobre São Paulo? - que faça como Marcião, jogue fora o Antigo Testamento inteiro.

6. ... ou aplique crítica bíblica, desmonte a violência implícita dessa literautra sagrada. Longe, muito longe de ser o "liberalismo" a causa da absoluta perdição do Evangelho no Brasil, é justamente o seu contrário, um fundamentalismo a-crítico, pseudo-espiritual, obscurantista, de tradição retórica belicista, que pôs a perder o esforço de um século. Apenas a educação crítica poderia trazer sanidade ao Evangelho. Mas a massa perdida da tradição, perdida diante do neo-pentecostalismo, perdida diante da chuva de "modelos", perdida diante da instrumentalização, pelo crime, da fé, brada pela ortodoxia e pela espiritualidade, mas rechaça a crítica. Cava a própria cova, pula dentro dela, e culpa o vizinho... Bem típico...


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

Um comentário:

João Oliveira Ramos Neto disse...

"Pelo senhor marchamos sim
O seu exército poderoso é
Sua glória será vista em toda a terra!!!

Vamos cantar o canto da vitória
Glória a Deus vencemos a batalha
Toda arma contra nós perecerá!!!

O nosso general é Cristo
Seguimos os seus passos
Nenhum inimigo nos resistirá!!!"

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