sexta-feira, 14 de agosto de 2009

(2009/424) Até tu, Jaspers?


1. Viajei para Goiânia para participar da banca de exame de três dissertações de mestrado na Universiade Católica de Goiás. Queimei a "mufa" para analisar cada linha de cada relatório. Cansei-me sobremodo. Antes de ir, encomendei, na Travessa, Introdução ao Pensamento Filosófico, de Karl Jaspers - sim, o famoso Jaspers...

2. Voltei de Goiânia com presentes: dois livros de Ivoni Richter Reimer e um de J. C. Avelino da Silva. Avelino, vim devorando no avião - e escreverei uma resenha, conforme combinado e prometido ao autor, também presente em uma das bancas. Mas, tão logo pus os pés em casa, obviamente depois das sessões necessárias de beijos em/de Bel, "catei" com o olho o pacotinho dos correios... Jaspers!

3. Deixei Ivoni, deixei Avelino... e corri a ler Jaspers (o que não faz a "fama"!). Naturalmente que se tratou de um folhear de páginas, uma cata curiosa de temas, de frases reveladoras, como quem vai a uma sorveteria e prova, aqui e ali, sabores.

4. Desgraça. Deparei-me com um parágrafo que me fez arrepender-me de ter comprado o livro, ainda que quem sabe, haja coisas boas em outras páginas, vamos ver mais tarde, já não tenho mais tanta pressa, nem entusiasmo (Jaspers terá de me devolver o entusiasmo).

5. Trasncrevo:

5.1 "O Deus único: Ele é o espelho da força que empresta coesão a nossa vida. Para o homem natural - nós todos - o politeísmo é uma segunda natureza. Os deuses entram em conflito. É impossível conciliar as exigências que nos fazem. O homem é o ser que se contradiz. Servindo a alguns deuses, ofende outros. Então, com surpreendente energia, afirma-se o poder do Único. Ele repele o simplesmente natural. E desperta no homem uma vontade de outra origem" (KARL JASPERS, Introdução ao Pensamento Filosófico, Cultrix, p. 197).

6. Segue-se, então, que apenas os monoteístas têm uma vida coesa... Como não, se é o "Deus único" que empresta tal coesão à nossa vida? Ou Jaspers enfatiza, apenas, o "nossa", a dizer: nós monosteísas, arrumamos de dar coesão à nossa vida, utilizando-nos da idéia do Único? No entanto, a referência ao politeísmo - filosoficamente tão plausível quanto o monoteísmo, por exemplo - se dá afirmando que seriam diferentes, politeísmo e monoteísmo, porque o politeísmo estaria mais para um "espelho da natureza", uma "segunda natureza"...

7. Ora, e o monoteísmo, não? Os filósofos pré-socráticos, não saltavam da multplicidade de formas da natureza para a intuição do "Um", fosse a água, o ar, o apeiron, o número? Toda a cosmogonia egípcia começa com o Indissociável cosmogônico e termina na multiplicidade concreta da existência. De que modo se pode falar do politeísmo como segunda natureza e não aplicar a mesma afirmação ao monoteísmo? São, os dois, no fundo, o mesmo, sob certo aspecto, porque um olha para as partes múltiplas de um "todo", ao passo que o outro olha para o todo, que se abre e revela em partes inumeráveis... Mas Jaspers quer me levar a crer que politeísmo é "natural", e "monoteísmo", "humano", antropológico... uma força que se fez, de raciocínio!

8. Político, sim, talvez, porque somente à força de muita coação e coerção de pôde implantar o monoteísmo na consciência das pessoas. O arauto do monoteísmo é a Força, a Violência - como até hoje. E nada mais natural do que isso...

9. Besteira. Se Jaspers fosse hindu estaria raciocinando inversamente. Mas aprender que o valor filosófico é o Uno, e a tradição, heim, Vattimo, desse Uno coincide com o Ser de Parmênides, o "Deus" monoteísta ocidental... É como Paulo, que disse o que disse, porque disse a gregos. Tivesse o "Espírito" (com tdas as aspas e mais algumas) revelado que deveria ter ido não para a Macedônia, mas para a África, ah, ia ser muito interessante...

10. Chega de olhar para fora do mundo, para, com esse olhar viciado, voltar para o mundo com a alma de Platão. Não há nenhuma diferença estrutural e essencial entre monoteísmo, nenhuma superioridade sobretudo, e politeísmo. São intuições especulativas, sonhos teológicos, e nada mais.

11. Para encerrar, penso que um politeísmo noológico caberia adequadamente à consciência do homem moderno e, ao mesmo tempo, místico: cada qual com seu "deus", cada qual com seu "amigo imaginário". Mas o Cristianismo engajado prefere, antes, servir-se da metáfora para manter esse mesmo Uno, porque ele acha que achou uma grande coisa... Só Freud há de explicar isso... Ou Marx...


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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