segunda-feira, 13 de julho de 2009

(2009/393) Nietzsche e democracia


1. Um Nietzsche que tenho muita difículdade de acompanhar - sim, eis aqui um rótulo que aplico, mas é como aquele caso de, numa garrafa, você ter água, e, na outra, suco de uva, e você tem, na mão, dois rótulos, um, que diz "água", e outro, que diz "suco de uva" - e, então, o que voce faz? Não põe o rótulo, porque é deselegante, político-consensualmente desairoso à paz/etiqueta nao pôr rótulos, de modo que quem quiser beber qualquer coisa pelo nome de qualquer coisa, que beba? Mas - hum, coisa grave - se o que há na garrafa é cicuta...?

2. Mas eu dizia de um Nietzsche que não posso seguir - um Nietzsche que morreu antes de ver um Lula no poder (o que, de qualquer modo, lhe seria a morte...):
A Questão dos Trabalhadores. - A estupidez, no fundo a degeneração dos instintos, que hoje é a causa de toda estupidez, reside no fato de haver uma questão dos trabalhadores. Sobre certas coisas não se coloca perguntas: primeiro imperativo do instinto. - Eu não consigo vislumbrar, o que se quer fazer com o trabalhador europeu, depois de se ter transformado inicialmente os trabalhadores em uma questão. Eles se encontram bem demais, para não questionarem passo a passo e de maneira imodesta. Eles têm por fim o grande número a seu favor. A esperança de que venha a se conformar uma espécie de homens modestos e satisfeitos consigo mesmos, um tipo de chinês, já se dissipou completamente: e isto seria razoável, isto teria sido francamente uma necessidade. O que se fez? - Tudo para aniquilarem mesmo em germe os pressupostos para tanto. Dizimaram-se radicalmente os instintos, em virtude dos quais um trabalhadior é possível enquanto condição, vem a ser possível para si mesmo, através da mais irresponsável irreflexão. Fez-se dos trabalhadores seres aptos à militarização, concedeu-lhes o direito de coalizão, o direito de voz política: que espanto pode haver no fato de o trabalhador sentir já hoje a sua existênia como um estado de penúria (expresso moralmente como uma injustiça -)? Mas o que se quer? Indago uma vez mais. Se se quer uma finalidade, também se precisa querer os meios: se se querem escravos, então não se é senão louco, ao educá-los para serem senhores. -" (Nietzsche, Crepúsculo dos Ídolos - ou como filosofar com o martelo, Relume Dumará, p. 110-111).
3. Ou, ou, ou... Sem nenhuma cera a disfarçar a retórica.. Aí está: povo é povo, senhores, e seu lugar, lugar de povo, é a condição bovina, não-política - quer dizer, politicamente não-ativa. Ora, ora, ora... o maior dentre os críticos do Cristianismo, também vê na sociedade um dever-ser aristocrático, não-teocrático, a seu modo, mas clerical, eu diria, o que dá no mesmo. Uma casta de senhores, uma casta de soldados, uma casta de trabalhadores, digo, de gado... E logo Nietzsche, que condenara o Cristianismo por fazer dos homens bestas de carga - como, de fato, faz... Mas o problema é que isso revolta o aristocrático filósofo, de o Cristianismo querer pôr a ele na condição que cabe, apenas, ao povo - besta não-humana das cargas também humanas...

4. Há uma ideologia aristocrática plena, plenipotente, translúcida, nua, esculpida em carrara, em cada linha de Nietzsche... E eu, abomino essas distinções. Talvez, reconheço, porque não seja de sangue aristocrático... Talvez faça minha genealogia e me descubra, louro, olhos verdes, pele branca, quem sabe, descendente de uma nobreza européia, hum...?, dessas de ladrões, posto que a conquista européia do mundo não passa disso: roubo e latrocínio. Talvez corra sangue de ladrões e assassinos em minhas veias... Mas não descuidemos, que não há homem sobre a face da terra, cristão/democrata ou seus antípodas ideológicos, que não tenha sangue nas mãos, jorrado de geração em geração, erro também de uma Teologia da Libertação que idealizou o pobre - pobre/santo...

5. Seja como for, talvez porque minha condição sociológica não faça de mim um nobre, mas um morador da Baixada Fluminense, seja como for, não posso concordar com Nietzsche. Gosto de ver Lula no poder - e Lula descende, nesse sentido, daquelas revoluções do XVII e do XVIII, revoluções européias, fenômeno corolário ao mesmo tempo que efeito colateral do Cristianismo. Será irônico o dia em que descobrirmos, então definitivamente, que, de fato, Jesus fora um aristocrata (pretendidamente) dinástico - se o foi: Ghandi é que não cola, senhores... O lado Ghandi de Jesus, arrisco dizê-lo, foi esculpido por santos homens posteriores... Melhor dizê-lo: o lado cordeiro...

6. Pois eu quero mesmo é que todos tenham os mesmos direitos, que a massa, toda, seja - de fato - educada. É somente o fato de não ser ela educada que a faz ter "maus modos". A civilidade é um processo educativo. Há, contudo, um cinismo democrático, porque há dois tipos de manipulação das massas - o aristocrático, de que Nietzsche se ressente do naufrágio, e o democrático, esse que assistimos diariamente na tela das oligarquias midiáticas, aristocratas disfarçados de democracia, cinismo, deboche, desdém e sarcasmo - escarro, mesmo, na cara da gente... Mas tudo muito dissimuladamente, por trás das câmeras...

7. Lula, Lula - teres tu chegado aí não prova nada. Prova, talvez, na sua história, o possível... Mas toda uma civilização precisa ser transformada. Sê-lo-á?


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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