sexta-feira, 19 de junho de 2009

(2009/364) Dois pequenos grandes textos


1. A convite do CADS - Centro Acadêmico da Faculdade Batista do Rio de Janeiro -, ofereci um curso de "Princípios Batistas" a trinta estudantes previamente inscritos, com renda integralmente destinada ao próprio centro acadêmico. Foram quatro encontros de uma hora cada, em cada uma das últimas quartas-feiras, excetuando-se esta. Foi uma boa experiência.

2. Desde minha graduação em Teologia que os Princípios Batistas me fazem companhia, e os levo a sério. Mas é bom explicar do que estou falando.

3. Os batistas nasceram no século XVII, fermentados ali naquelas confusões entre separatistas e a Igreja da Inglaterra. Um bom livro é A Bíblia Inglesa e as Revoluções do Século XVII, de Christopher Hill. Ele dá um bom panorama de como éramos - todos misturados, cada qual sendo chamado pelos outros pelos nomes que acabaram servindo a cada grupos: "batistas" era como nos chamavam... Mas todos oficiavam juntos, em templos comuns, até que o movimento separou quem de quem, e os muros, sempre eles, foram erguidos.

4. Não há nenhuma novidade na parte cristã dos batistas - Nicéia "para inglês ver" e pronto. Todavia, o que é propriamente batista foi parido pela efervescência do libeeralismo político-filosófico-científico inglês (que século!), o mesmo de Bacon, Locke, Hume, Newton... Se os luteranos tiveram por pai um Lutero, nós, batistas, grandes filósofos e políticos. Como eles, o que nos tornamos não é lá muito parecido com o que disséramos que seríamos. Sempre é assim. Mas, ao menos, ficaram os princípios.

5. Esses, são abertos. Dialogais. Críticos. Porque refletem a parte "separatista", logo, crítica, que emprestava da filosofia e da política suas "armas" retóricas. Fomos marcados por elas - e eu diria: graças a Deus. Confesso: das doutrinas batistas abriria mão, sem dor (a rigor, já abri) - dos princípios, não.

6. Um dos princípios que discutimos no curso foi esse: "nem a maioria, nem a minoria, nem a unanimidade reflete necessariamente a vontade de Deus". Dado o princípio, resulta ser imperioso que eu confesse que jamais conheci uma única e verdadeira igreja batista. Todas, sem exceção, estavam - e estão - bastante conscientes da "vontade de Deus". Logo, não são "batistas". Não, se o critério são os princípios.

7. Pedi aos estudantes que escrevessem alguma coisa. Dei-lhes o título: "E agora?". Dois deles, um rapaz e uma moça, escreveram duas muito excelentes declarações. Comoventes, profundas, lindas, eu diria. Ei-las:

8. De Harlyson Lopes:

"E agora?

Durante vinte e seis anos fui adestrado a enxergar numa direção e a ter a certeza de que estava no centro da vontade de Deus. Mas se não há como ter certeza de onde é o centro da vontade divina, então, estou perdido, pois de fato não sei onde estou. E, ou estou preso em algum lugar cuja saída não enxergo, ou estou liberto do local que considerava ser o ideal e, portanto, posso procurar o local que me trará conforto. Mas como procurar? Antes era só seguir a maioria, coisa de que nunca fui adepto. A minoria sempre foi o voto daqueles que não entenderam a vontade de Deus, então nunca a segui. Como não me lembro de ter visto a unanimidade numa igreja, não há quem seguir. Então estou só também. Só, perdido e em dúvida se preso ou liberto. Agora é um recomeçar no escuro e no silêncio para tentar encontrar uma luz ou um som".


9. De Iara Vidal:

"E agora?

Se a vontade de Deus não é necessariamente expressa pela opinião da maioria, nem pela da minoria, e nem mesmo pela opinião de todos, estou isenta de buscar "vontades" específicas de Deus para a minha vida. Minhas decisões são minhas, com todo o bônus e o ônus que isso representa. Sou livre para decidir segundo o meu juízo, para voltar atrás quando errar (sem tentar culpar a Deus pelos meus erros), para assumir as consequências de meus atos. Ninguém decidirá por mim, e eu não decidirei por ninguém. Mas nem por isso estou totalmente sozinha: em vez de mentores que me indiquem O caminho, busco companheiros que me ajudem a fazer meu próprio caminho".

10. Belíssimos, nao? Ah, sim, belíssimos. "Em vez de mentores que me indiquem O caminho, busco companheiros que me ajudem a fazer meu próprio caminho" - não é esse o "princípio da maturidade", a "lei" da autonomia? Que bom ter proporcionado essa "intuição"! E mais: "E, ou estou preso em algum lugar cuja saída não enxergo, ou estou liberto do local que considerava ser o ideal e, portanto, posso procurar o local que me trará conforto" - não é essa a angústia fundamental? A incerteza de fundo, a insondabilidade do além-aqui, do além-agora: numa palavra, solidão e liberdade, liberdade é solidão... Saber, Harlyson, que estamos sós, e que, conosco, sós, vão outros que tais, não nos faz menos sós, mas nos faz constituídos de uma solidão de parto - é que antes nos enganávamos...

11. Fico feliz que esses quatro encontros tenham reverberado esse toque de bronze no capanário das almas despertas. Saímos mais densos dali, mais pesados, mais tristes, mas, por isso também, mas felizes. É que não se trata da felicidade das festas - mas da nudez do vento frio e cortante na cara nua... Obrigado, Harlyson! Obrigado, Iara!


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

3 comentários:

Viviana Carolina Mendez Rocha disse...

E quando se deixa "o local que considerava ser o ideal", a gente se depara com a dúvida eterna... pelo menos eu me deparei

Peroratio disse...

Viviana, querida...
Começo (mas talvez seja o dia em si) a ter medo do que estou fazendo com vocês. Despertar a consciência não é coisa simples. Despertá-la, e deixar que caminhem sozinhos, é ainda pior. Temo não ter esse direito. Temo estar todo errado. Temo. No momento, sou um poço de terror por dentro... Pudesse, talvez eu me retirasse para o deserto, e morresse lá, e só, onde não poderia fazer mal algum, a ninguém... só a mim...
Osvaldo.

Viviana Carolina Mendez Rocha disse...

Professor, para mim o senhor fez uma boa coisa, quando eu pude enxergar as coisas sem ter medo de "estar pecando", quando eu tive a oportunidade de pensar diferente sem me sentir culpável contra Deus. Muitas coisas há no sistema eclesiástico que cegam a gente, a fazem crer que tudo é pecado, que se agem diferente, já vão para o inferno. Pelo menos isso que eu tinha aprendido. Você foi de grande ajuda no meu caminho... já não fico com medo por dizer o que penso...

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