sábado, 13 de junho de 2009

(2009/352) Nietzsche, morto duas vezes - e mais ainda


1. Daquela Minha maneira notoriamente hiperbólica e dramática de o dizer, di-lo-ei: ninguém conhece Nietzsche! Disse-o. Pronto. Agora, o leitor subtraia o coeficiente de retórica, o algoritmo de exagero e a alíquota do estilo e terá uma idéia do que quero dizer: fala-se muito de Nietzsche, mas de tudo quanto se diz dele, a maioria não tem nada dele, outro tanto, é pura disfunção - e um punhado, despeito.

2. Vendem-ne em esquinas. Citam-no à mão cheia. As notas de rodapé nem mais o cumprimentam, de tanto que o conhecem, de freqüentá-las tanto. É monografia, é dissertação, é tese. Ele é niilista, dizem uns, com o dedo levantado, Deus sabe para onde. Ele é a-histórico, verborrajam aqueles, citando aquela única expressão, pinçada, solta, descolada, extoplasmaticamente não-fundada. Ele é o pai do não-fundacionalismo, axiomatizam! Essa é a estocada de morte, o coup fatale... Pai do náo-fundacionalismo! Deus do céu - sou a Branca de Neve!...

3. Vou citá-lo: "249 - Suspiro do homem que procura o conhecimento - 'Maldita avidez! Nesta alma não há nenhum desinteresse; muito pelo contrário, um eu que deseja tudo e que quereria, através de mil indivíduos, ver com os seus olhos, agarrar como se o fizesse com as suas mãos... um eu que prende a totalidade do passado e não quer dar nada, seja o que for, que lhe possa pertencer! Maldita chama da avidez! Ah! Pudesse eu reencarnar em mil seres!'. / Quem não conhece por experiência este suspiro, ignora tudo da paixão do pesquisador do conhecimento" (Nietzsche, A Gaia Ciência, Aforismo 249).

4. Eu padeço, meus amigos, dessa avidez, dessa doença, desse mal, dessa desgraçada fome da alma pela cheiro da terra, pelo grão da vida, de carbono, de pó. Porque não está em mim o conhecimento, quero agarrá-lo. Porque não o posso agarrar, só, quero todos os olhos, todas as mãos. Porque o ontem me é preciosíssimo, quero-o, todo, completo - e ele não está aqui, em mim, está lá, nele mesmo, no que ele foi, e não será mais...

5. Quem faz de Nietzsche um desinteressado, um hermeneuta "blasé" (Jimmy-toupeira, em que buraco te enfiaste, homem?), um "esteta de vitrine", ah, faz-se em Nietzsche, busca nele a si mesmo, e o plasma, o molda, o forja, o frauda - à sua própria imagem.

6. Tua avidez, meu aigo, contaminou-me a alma... A alma? Não, não, a alma, não, ao menos não apenas a alma, mas o corpo todo, cuja chama mais ardente que a que o queima apenas é aquela - da língua de Bel...


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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