1. Esse, cantar eu cantaria, porque, afinal, é fato, conquanto eu possa viver sem cantá-lo, enquanto a carne suportar o fel e a amargura da nudez da alma, que a crença alivia a rudeza da vida, a carne exposta é fria demais ao gosto dos costumes, os olhos, coitados, não podem fingir que é seda e pétala a carne rasgada pela dor. Não me furtarei, sob demanda, a dar carinhos às nuvens de crenças necessárias à paz do leito derradeiro, conquanto hei de me esforçar para olhar atrás do muro dos jardins e cemitérios, a ver donde brota e flor e onde se sepulta a vida.
Nada...
(Antônio Torres)
(Antônio Torres)
Nada!.... Filosofia rude e avara,
Na qual acreditei, com pena embora
De abandonar a Crença que esposara,
- A minha aspiração de cada hora.
Crença é o perfume dalma que se enflora
Com a luz divina, resplendente e rara
Da Fé, única Luz da única Aurora,
Que as trevas mais compactas aclara.
Revendo os dias tristes do Passado,
Vi que troquei A Fé pela Ironia,
Nos desvios e excessos da Razão;
Antes, porém, não fosse tão ousado,
Pois nem sempre a Razão profunda e fria
Alivia ou consola o Coração.
2. Sim, cantá-lo-ia. Entretanto, não esse outro, posto que aí vai tão-somente um grito de desespero, a negação do óbvio, sob o peso da evidência. Aí ensaia-se, apenas, a desrazão do engano, o esconder-se sob os panos, o desespero da pulsão. O homem que aí escreve - ou a mulher - nega. Negar é o remédio. É a crença derradeira.
Ao homem
(Augusto dos Anjos)
Tu não és força nêurica somente,
Movimentando células de argila,
Lama de sangue e cal que se aniquila
Nos abismos do Nada eternamente;
És mais, és muito mais, és a cintila
Do Céu, a alma da luz resplandecente,
Que um mistério implacável e inclemente
Amortalhou na carne atra e intranqüila.
Apesar das verdades fisiológicas,
Reflexos das ações psicológicas,
Nas células primevas da existência,
És um ser imortal e responsável,
Que tens a liberdade incontestável
E as lições da verdade na consciência.
3. Até parece que quem o escreveu acabara de ler O Método, e, particularmente, os volumes dois e três, e, no três, particularmente, os capítulos quatro a seis... Um homem intranqüilo e muito dados às crenças miúdas há de, decerto, ver-se tomado desse pavor poético e esses valores ontológicos.
4. Mas saiba o leitor, todavia, que os autores não são bem esses acima atribuídos. Encontram-se esses e outros sonetos e poemas na obra dita "espírita" Parnaso de Além-Túmulo, e dão-se os tais por psicografias dos espíritos dos respectivos autores. Bem, cá eu me dou o direito de não crer dessa forma, o que, contudo, não tira em absoluto o brilho dos poemas. Aliás, crentes muitos bem se serviriam dessas composições para arrostar aos néscios seus valores niilistas. Vale, para o autor "de verdade", o que valeria, tivessem sido escritos pelos homens que, agora, jazem mortos. Para onde irei, um dia. Oxalá, depois do dia de nunca-chegue-a-hora... E irei cantando. O quê? Só Deus sabe...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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