terça-feira, 28 de abril de 2009

(2009/231) Dos pastores e pastoras de que gosto


1. Há muitos alunos que devem achar que eu sou absolutamente contra, em tese, o "pastorado", indistintamente. Se o há, não seria de todo culpa do aluno, haveria, certamente, uma culpa de minha parte, em não ser sempre suficientemente claro em minhas críticas. Pensei, pois, em clarear minha posição.

2. Em tese, tenho problemas muito sérios, somáticos, eu diria, com um determinado tipo de "pastorado". Antes de tudo, aqueles que, dispondo de informações, logo, tendo passado por boas instituições de ensino, o que significa, para eles, terem tido oportunidade de acesso e, eventualmente, acesso mesmo, a livros muito elucidativos a respeito do caráter da história da teologia, da constituição histórico-cultural do Cristianismo, da condição hermenêutica humana, essas questões todas próprias da aproximação científico-humanista à religião e à teologia, a despeito disso praticam um ministério heteronomizador, "sacerdotal".

3. Ah, há, sim, às toneladas. Raro é o inverso. Na prática, há por aí um modelo cripto-sacerdotal de "pastorado". Só pelo fato de apresentar-se como um sacerdócio disfarçado, se não um sacerdócio teologicamente legitimado, mas politicamente instituído e mantido, só isso já seria razão para um protestante protestar. Não suporto, também, um "pastorado" que usa "Deus" como muleta retórico-política para tudo fazer conforme sua própria vontade. O nome disso é manipulação. Não gosto daquele pastorado que se fez burocracia, alguma coisa entre pregação e administração, mas que do espírito do cura d'almas nem se aproxima, porque está atarefado demais com o "Reino", e tanto, que não tem tempo para as pessoas...

4. Desgosto, até a náusea, de um pastorado que manipula dia e noite a Bíblia, que enfia doutrina na cabeça do rebanho, como se a doutrina fosse a adequada compreensão da Bíblia. Como a maioria esmagadora (acima dos 95%) da membresia de ler mesmo, e bem, pouco ou nada entende, lá vai todo um rebanho a carregar uma Bíblia inútil e a repetir doutrinas que estão séculos adiante dela, confessando-as como que "bíblicas" - mas elas sequer saberiam verificar se são! Desgosto do pastorado que cava uma trincheira no obscurantismo, na dissimulação, na supressão de informações, no controle das consciências, na demonização da crítica, para, por todos os meios, controlar corpos. Sinto-me plenamente justificado em não suportar esse tipo de pastorado - e de lamentar muito, porque dele se faz cheio o "Reino". Vê?, já vaza e transborda...

5. Todavia, felizmente, há de se considerar que o reino, conquanto hegemonicamente entregue à administração burocrática de pastores compromissados com tudo, menos com a autonomização das gentes, não se resume apenas a essa categoria triste. Há aqueles, quero crer, preciso crer, que são profundamente sinceros, confiados de coração ao Deus de suas consciências, e, por isso, às pessoas de que se sente encarregado, por Aquele, de delas cuidar. Gosto do pastor que, conquanto seja pregador, conquanto seja administrador, conquanto saiba fazer muitas coisas, ou não, é, acima de tudo, cura d'almas. Que está com a sua gente, para a tristeza e para a alegria.

6. Gosto do pastorado que tem de si a visão de que ou é servo - sem hipocrisias, por favor - ou não tem serventia. Ou cuida da gente, ou não serve pra nada. E cuidar da gente não é derramar quarenta e cinco minutos de sermão uma ou duas vezes por semana. Cuidar da gente é construir uma relação de abertura, de confissão, de confiança. Administrador eu contrato. Pregador, eu escolho qual quero ouvir esse domingo, qual no próximo. Do que eu sempre preciso, e raramente tenho, é de um amigo - porque a amizade pastoral acaba condicionada por uma série de exigências que se colocam acima da própria relação homem/homem. Gosto, pois, da idéia de um pastorado-fraternidade, uma "irmandade", uma relação entre iguais, de chorar e rir, de estar junto porque é a isso que se resume a fé - estar junto. Não estamos juntos para - estamos juntos.

7. Gosto daquele pastorado que não é fiscal da vida das pessoas, mas preocupa-se com ela. Como vai? E a família? E aquele problema?, resolvido? Precisa de alguma coisa? Tem um tempo para uma bate-papo? Vamos tomar um café juntos, dia desses? O que achou do sermão? O que você pensa sobre isso assim assim? Um amigo nosso está com problemas, posso pedir sua ajuda? Você está com problemas, posso pedir a fulano para ajudar-me a ajudar você? Como foi a semana? Como vai no trabalho? E a saúde?

8. Gosto de pastorado comprometido com igrejas administráveis. De uma igreja de mil membros pastor nenhum dá conta. Adminsitra rol de membros, contas, faz ordem de culto, mas tratar de mil pessoas? Logo há auxiliares pendurados até no lustre. Igrejas dentro de igrejas. Mas essa é uma outra questão. Porque do que eu gosto mesmo é daquele pastorado de um "rebanho" administrável, que se conhece pelo nome, do pai e da mãe até os parentes colaterais.

9. Não me importa muito se esse pastorado faz vigílias, se faz jejuns, se faz congressos de espiritualidade. Não mesmo. Penso que essas são boas oportunidades para nossos jovens se encontrarem, quem sabe?, encontrarem uma cara metade, como as sociais e os intercâmbios da década de oitenta. É importante gerar oportunidades para os jovens. Quanto a mim, satisfaço-me com o mínimo, o trivial, já tenho Bel, que mais quero? Desde que saiba que o ministério pastoral dedica-se integralmente às pessoas, e se resume a isso, para mim está tudo uma beleza..

10. Mas, eu sei, é uma consideração romântica - e romântica num sentido triste. A roda está girando. Igreja é o que é - modelos, modelos, modelos. Perdemos a obviedade da "paróquia", da "oikumense", da "koinonia", aquela obviedade de igreja serem pessoas vivas. Igreja, agora, é empresa - logo "empresa", lugar onde nem pessoa você é, nem gente você é, mas apenas um item eventualmente descartável - na primeira crise, quantas cabeças cortamos? Os lucros! Mantenham os lucros!, uma seção de uma linha de montagem, não importam os jargões marqueteiros para tirar mais, sempre mais, dos empregados. Empresa! É, é verdade... Igreja virou empresa. Todo crente devia ter FGTS, então... Quer dizer, isso enquanto temos, ainda, a CLT, porque as "empresas" estão doidas, doidinhas para suprimir esse direito fóssil de uma era trabalhista...

11. Ah, e por favor, vamos voltar a cantar direito, pelo amor de Deus!


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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