sábado, 18 de abril de 2009

(2009/181) Pecado de morte, mentira de redenção

1. Meu maior pecado foi aquele de, um dia, ter voltado à casa de minha avó, a casa de minha infância. Quando a olhei, do meio da rua, vendida, naquele instante, matei-a, e, com ela, todas as minhas memórias.

2. Aquela casa ali, diante de meus olhos, não era, não podia ser, não essa, aquela casa, a da minha infância, grande como um mundo inteiro, nela cabiam o céu e a terra, os infernos todos dos homens, e todos os países dos mitos

3. Não havia árvores nela - eram florestas! Não era uma cisterna - eram mares! Poço? Não - eram as águas da criação, as fontes do grande abismo. Aquele mangangá amarelo, no tronco podre? Um dragão! O enxame de abelhas - o fim do mundo. O porco à faca - chiados do diabo.

4. Agora, eu a matava. Como cacos de cerâmica, aos meus pés, caíam todas as memórias.

5. Pequei.

6. Não há problema, que dentro de mim um demiurgo vive: re-inventei todas as memórias, reconstruí a casa, e ela voltou a ser a minha, a verdadeira, que aquela ali, na Avenida São Paulo é outra coisa... Menti pra mim - e me salvei da morte.


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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