quarta-feira, 1 de abril de 2009

(2009/126) Se eu pudesse começar de novo...


1. Não escondo meu gosto por jogos de computador - ou RPG de console. Jogo-os bastante, por muito gosto que por eles tenho. Dado a fases, há épocas em que passo horas a jogar. Noutras, não me aproximo deles - há já um mês, mais ou menos, que não jogo. Não gosto disso, porque, geralmente, é sintomático de tensões psicológicas. E é.

2. Sou muito sistemático em matéria desses jogos. Geralmente, ou são de roteiro pré-estabelecido, ou de roteiro aberto. De qualquer forma, você "guia" personagens - como se você fosse (e, nesse sentido, é) a "alma" deles, digamos assim. Você os "cria", customizando-os: nome, cara, cor, roupas, características etc. Vai dirigindo-os nas diversas coisas a fazer, nas etapas, nos desafios, nas lutas, nas conquistas. Começa fraquinho, fraquinho, e, em algumas horas - às vezes, dias - já está uma verdadeira potestade!

3. Bem, no meu caso, isso somente acontece depois de dezenas de recomeços. Se alguma coisa faço errado, uma que seja, e isso vai prejudicar, a longo prazo, a performance ótima de meu personagem, recomeço o jogo. Faço tudo igual, de novo, nome, características etc., mas recomeço. No ponto onde falhara, corrijo a "jogada" e, então, sigo em frente. Ah, sim, esse tempo de repetir tudo até o ponto da correção é entediante, mas, quando você se depara com seu personagem em estado ótimo, ah, compensa...

4. Ah!, se pudesse ser assim... Eu recomeçaria minha vida praticamente toda de novo. A única coisa que eu não mudaria, de verdade, é Bel (e, por extensão, os meninos). O restante, poderia ter sido tudo diferente. A começar por minha formação - se eu soubesse que um dia poderia ser "doutor", teria me dedicado a uma Ciência qualquer, provavelmente Biologia, talvez me tivesse tornado um entomologista, ou um botânico. Quando eu era pequeno, passava horas a fio seguindo, literalmente, formigas, para observar-lhes o comportamento. Quando eram "grandes", chegava a marcá-las com linha colorida, para ter certeza de que, tendo entrado no formigueiro, era ela mesma que, agora, olha lá, saía, opa!, dessa vez carregando o lixo para fora...

5. Na Teologia, meti-me por "acidente". Alguém deixou uma frase escrita em hebraico no quadro de giz, e, aqui estou eu... Gosto do que faço, acho que faço até bem (refiro-me à exegese da Bíblia Hebraica), ainda que não na escala em que gostaria e da qual seria capaz, dadas condições para isso propícias.

6. Além disso, há uma série de grandes e de pequenas coisas que, pudesse, eu teria deixado de fazer, ou, eventualmente, teria feito, já que, na realidade, algumas vezes deixei de fazer coisas que devia ter feito. Não se trata - apenas - de um arrependimento de meia idade. Também é isso. Mas se trata, objetivamente, muito mais, de reconhecer-se que a vida é o caminho que você escolhe - escolhe, aí, entre aspas... Depois que você dá o passo, as potencialidades da vida, antes daquele passo, quase que se dissolvem, e outras, inexistentes antes dele, abrem-se. Assim, você vai construindo a vida efetiva a partir de possíveis que você vai gerando a cada decisão concreta. Na maioria das vezes, os possíveis apenas se materializam depois do passo...

7. Tomei muitas decisões na vida. Mas não me sinto, nesse momento, um vitorioso. À luz das potencialidades de um menino muito pobre da Baixada, até que não me saí tão mal. Todavia, à luz das potencialidades, possíveis de se terem concretizado, o jogo poderia ter sido muito, muito, muito melhor. Eu poderia ter-me saído muitíssimo melhor. Acho que perdi a batalha contra meu maior adversário: eu mesmo... Doravante, penso que tudo será "menos" do que poderia ter sido. Salvo Bel, meu ópio...

8. Na vida, contudo, não tenho o poder de recomeçar. Nem me "criei". Nem meu nome fui eu a escolhê-lo. Algumas das minhas características, adquiri-as por força até da criação. De algumas delas, posso, relativamente, me livrar. De outras, não. De modo que a minha vida só foi minha realmente, a partir de certo ponto, como se eu tivesse "comprado" a conta de alguém - há meninos que, por não terem paciência de preparar, por dias, um bom "personagem" num jogo, simplesmente procuram outros meninos que, tendo criado bons personagens, os vendem, já prontos, por dinheiro: minha vida foi tornada minha por um processo quase assim, como se, a certa altura, o "personagem" Osvaldo Luiz Ribeiro, a conta da minha vida, passasse a ser minha. Mas, aí, já era muito, muito tarde - e o jogo não pode ser recomeçado...

9. A essa altura, restam-me duas alternativas: a) a mais severa, game over, b) a mais provável: tentar tirar o máximo de proveito da história que construí, procurando, sobretudo, aprimorar minha "técnica" nos controles, aprendendo a decidir de modo certo, a fazer a coisa certa, a não me arrepender tanto de tantas coisas (o que para mim só é possível errando menos). Nesse sentido, se a doutrina da reencarnação me garantisse um restart do mesmo personagem, até que me aproximaria dessa fé. Mas chego a um ponto da vida em que fica cada vez mais difícil enganar-me a mim mesmo...


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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