1. Haroldo reagiu ao meu post sobre Teologia Bíblica e Teologia Sistemática ((2009/074) Teologia Bíblica e Teologia Sistemática - um divórcio de 250 anos). Há o que se pensar - e o que se dizer.
2. De fato, os "teólogos sistemáticos" europeus são de admirável erudição. São poliglotas - minha excepcional dificuldade com línguas faz-me admirar muito o domínio de diferentes idiomas, o que me falta sobejamente. São, ainda, profundos conhecedores de "dados" da História - autores, obras, fatos. Mais do que isso, são inequivocamente articulados - sua cátedra está alojada no coração da universidade européia. No entanto, não é necessário ler nenhuma de suas sistemáticas para se saber seu compromisso - a "fé" (a saber: a doutrina). O Protestantismo jamais deixou de ser católico - com o que quero dizer que a alma do Protestantismo, a despeito da aparência, dos adornos, das retóricas, foi e é o "depósito da fé", mesmo depósito e mesma fé da Igreja Universal (que após Trento fez-se "católica apostólica romana", o que, a rigor, ela sempre fora).
3. Haroldo foi preciso: "é fascinante o esforço deste 'sistemático' em produzir um sistema teológico coerente, acessando praticamente todos os campos do conhecimento para dar plausibilidade à sua tese principal da atuação trinitária do Deus. É um exercício intelectual digno de nota e admiração". Sim, o que prova que toda a erudição teológico-sistemática não garante, absolutamente, se o critério for bíblico-teológico, a "sanidade" do processo. As colossais engrenagens da História são giradas, ronca o fogo na forja da retórica, e para quê?, para que a mesma verdade de antes seja repetida de modo ainda mais convincente para a nova platéia. Não é diferente em Tillich! A Teologia Sistemática é uma enorme vaca a ruminar o mesmo capim de dois mil anos. O duro é agüentar a sua fermentação!
4. O esforço da Teologia Sistemática pode ser descrito como a sobrevivência fóssil de um modus vivendi. Pode-se aprender, de verdade!, não com o que a TS e o teólogo sistemático dizem, mas observando-os eu seu processo de ser. Aprende-se como a mente humana pode entregar-se, alegremente, como ao serviço de um deus, a uma idéia, a uma cosmovisão, a um mito, e racionalizá-los até o refinamento da abstração pura. Nessa tarefa, tudo é nivelado à "loucura" desse pathos, de modo que o teólogo sistemático cuida poder arrebanhar (aggiornamento) o conjunto do conhecimento humano na defesa apologética e retórica de sua "posição".
5. Entretanto, não é ao conhecimento humano que a TS e o teólogo sistemático apelam, porque certos dados da pesquisa científica, isolados de seu nicho epistemológico, são ocos e não têm qualquer significado. A TS e o teólogo sistemático, portanto, colhem, como a tijolos, peças "úteis" ao seu projeto, da mesma forma como se constroem as declarações doutrinárias, todas, selecionando-se alguns versículos aqui e ali, escondendo-se outros. Assim, aos olhos da sistemática, as ciências transformam-se numa feira-livre alguma coisa entre medieval e pós-moderna (ou vale a fé normativa, ou vale tudo - sempre a serviço da fé!), onde se podem adquirir pedaços de retórica.
6. A rigor, há uma região do conjunto das ciências da qual a TS e o teólogo sistemático, sistematicamente, correm, como o diabo da cruz - a Epistemologia. Ah, correm como crianças para o colo do velho patrono, Platão, apelam para a Providência e danam a repetir as ladainhas reveladas e ontológicas (a retórica moderna é só porque a platéia vai-se tornando cada vez mais difícil de engodar, conquanto ela, a platéia, alimente certo prazer estético em ser enganada - dissolve-lhe a culpa). [Confesso que eu me comportei assim por cerca de uns quatro ou cinco anos, período que se estende desde minha "conversão", 10/08/1984, até o segundo ou terceiro ano de meu curso de Graduação em Teologia que, conquanto, à época, livre, logo, programaticamente confessional, proporcionou-me contato com idéias libertadoras. Se eu considerar que o Seminário, de uma forma ou de outra, é parte da "Igreja", não poderia negar que ela, a "Igreja", se com u'a mão, me "fundamentalizou", com outra, porém, me permitiu "libertar-me"].
7. Assim, Haroldo, não há absolutamente nada de verdadeiramente "útil" numa Teologia Sistemática, se ela é lida nos seus próprios parâmetros, conquanto, deve-se julgar caso a caso, pode haver, ali, informações históricas "verdadeiras", das quais, contudo, no contexto, extraiu-se, apenas, a inferência apologética, política e útil - porque sequer como "História" esse dado é tratado, já que há poucas "obras" humanas mais desreipeitosas da História do que a TS, sem esquecer, ainda, a experiência heurística de acompanhar o vínculo político entre o sistema retórico do teólogo e a fé que o anima. Aliás, a exposição de um cérebro epistemologicamente imaturo, ainda mal-formado (pudera, com esse sistema de educação religiosa que aí está!), a uma obra de Teologia Sistemática, de velha extirpe, ontológica, ou da nova, essa esdrúxula e esqúalida "metáfora", corresponde, analogicamente, àquele risco que correram os desbravadores modernos do Jordão e do Mar Morto, os quais, segundo consta dos manuais embolorados da arqueologia bíblica, chegaram a sofrer conseqüências clínicas por conta dos gases tóxicos que do Mar Morto se desprendiam. É preciso ter já a mente bem formada, bastante bem epistemologicamente assentada, ou se há de sair dali crendo, de novo, em quimeras - que poder de argumento têm essas peças mitológicas, não? Você quase deseja crer...
8. Quanto a caminhos alternativos? Por ora, Haroldo, penso que o trabalho se deve dar sobre a Teologia Bíblica. O trabalho mal começou. Há muito pouco trabalho nesse campo, e muito a ser feito. O que há, encontra-se muito contaminado. A reação conservadora, a tsunami conservadora, desde a metade do século XIX pôs a perder um grande esforço filológico empreendido desde o século XVII, e houve, lamentavelmente, muitos recuos. É preciso retornar severamente àquele compromisso histórico-filológico (a abordagem histórico-social só se pode dar nessa direção), sem negociações, e recomeçar o trabalho propriamente bíblico-exegético. É provável que a alternativa nasça durante essa caminhada, no rigor desse trabalho, depois de levantada parte das pedras que lá estão, à espera. Aqui eu poderia apontar para minha Tese - quantos estão preparados para ela? E, no entanto, como contorná-la? Por ora, digamos assim: para o trabalho, a Teologia Bíblica, exegética, científico-humanista, fenomenológica. E que bom, Haroldo, que estamos aqui.
2. De fato, os "teólogos sistemáticos" europeus são de admirável erudição. São poliglotas - minha excepcional dificuldade com línguas faz-me admirar muito o domínio de diferentes idiomas, o que me falta sobejamente. São, ainda, profundos conhecedores de "dados" da História - autores, obras, fatos. Mais do que isso, são inequivocamente articulados - sua cátedra está alojada no coração da universidade européia. No entanto, não é necessário ler nenhuma de suas sistemáticas para se saber seu compromisso - a "fé" (a saber: a doutrina). O Protestantismo jamais deixou de ser católico - com o que quero dizer que a alma do Protestantismo, a despeito da aparência, dos adornos, das retóricas, foi e é o "depósito da fé", mesmo depósito e mesma fé da Igreja Universal (que após Trento fez-se "católica apostólica romana", o que, a rigor, ela sempre fora).
3. Haroldo foi preciso: "é fascinante o esforço deste 'sistemático' em produzir um sistema teológico coerente, acessando praticamente todos os campos do conhecimento para dar plausibilidade à sua tese principal da atuação trinitária do Deus. É um exercício intelectual digno de nota e admiração". Sim, o que prova que toda a erudição teológico-sistemática não garante, absolutamente, se o critério for bíblico-teológico, a "sanidade" do processo. As colossais engrenagens da História são giradas, ronca o fogo na forja da retórica, e para quê?, para que a mesma verdade de antes seja repetida de modo ainda mais convincente para a nova platéia. Não é diferente em Tillich! A Teologia Sistemática é uma enorme vaca a ruminar o mesmo capim de dois mil anos. O duro é agüentar a sua fermentação!
4. O esforço da Teologia Sistemática pode ser descrito como a sobrevivência fóssil de um modus vivendi. Pode-se aprender, de verdade!, não com o que a TS e o teólogo sistemático dizem, mas observando-os eu seu processo de ser. Aprende-se como a mente humana pode entregar-se, alegremente, como ao serviço de um deus, a uma idéia, a uma cosmovisão, a um mito, e racionalizá-los até o refinamento da abstração pura. Nessa tarefa, tudo é nivelado à "loucura" desse pathos, de modo que o teólogo sistemático cuida poder arrebanhar (aggiornamento) o conjunto do conhecimento humano na defesa apologética e retórica de sua "posição".
5. Entretanto, não é ao conhecimento humano que a TS e o teólogo sistemático apelam, porque certos dados da pesquisa científica, isolados de seu nicho epistemológico, são ocos e não têm qualquer significado. A TS e o teólogo sistemático, portanto, colhem, como a tijolos, peças "úteis" ao seu projeto, da mesma forma como se constroem as declarações doutrinárias, todas, selecionando-se alguns versículos aqui e ali, escondendo-se outros. Assim, aos olhos da sistemática, as ciências transformam-se numa feira-livre alguma coisa entre medieval e pós-moderna (ou vale a fé normativa, ou vale tudo - sempre a serviço da fé!), onde se podem adquirir pedaços de retórica.
6. A rigor, há uma região do conjunto das ciências da qual a TS e o teólogo sistemático, sistematicamente, correm, como o diabo da cruz - a Epistemologia. Ah, correm como crianças para o colo do velho patrono, Platão, apelam para a Providência e danam a repetir as ladainhas reveladas e ontológicas (a retórica moderna é só porque a platéia vai-se tornando cada vez mais difícil de engodar, conquanto ela, a platéia, alimente certo prazer estético em ser enganada - dissolve-lhe a culpa). [Confesso que eu me comportei assim por cerca de uns quatro ou cinco anos, período que se estende desde minha "conversão", 10/08/1984, até o segundo ou terceiro ano de meu curso de Graduação em Teologia que, conquanto, à época, livre, logo, programaticamente confessional, proporcionou-me contato com idéias libertadoras. Se eu considerar que o Seminário, de uma forma ou de outra, é parte da "Igreja", não poderia negar que ela, a "Igreja", se com u'a mão, me "fundamentalizou", com outra, porém, me permitiu "libertar-me"].
7. Assim, Haroldo, não há absolutamente nada de verdadeiramente "útil" numa Teologia Sistemática, se ela é lida nos seus próprios parâmetros, conquanto, deve-se julgar caso a caso, pode haver, ali, informações históricas "verdadeiras", das quais, contudo, no contexto, extraiu-se, apenas, a inferência apologética, política e útil - porque sequer como "História" esse dado é tratado, já que há poucas "obras" humanas mais desreipeitosas da História do que a TS, sem esquecer, ainda, a experiência heurística de acompanhar o vínculo político entre o sistema retórico do teólogo e a fé que o anima. Aliás, a exposição de um cérebro epistemologicamente imaturo, ainda mal-formado (pudera, com esse sistema de educação religiosa que aí está!), a uma obra de Teologia Sistemática, de velha extirpe, ontológica, ou da nova, essa esdrúxula e esqúalida "metáfora", corresponde, analogicamente, àquele risco que correram os desbravadores modernos do Jordão e do Mar Morto, os quais, segundo consta dos manuais embolorados da arqueologia bíblica, chegaram a sofrer conseqüências clínicas por conta dos gases tóxicos que do Mar Morto se desprendiam. É preciso ter já a mente bem formada, bastante bem epistemologicamente assentada, ou se há de sair dali crendo, de novo, em quimeras - que poder de argumento têm essas peças mitológicas, não? Você quase deseja crer...
8. Quanto a caminhos alternativos? Por ora, Haroldo, penso que o trabalho se deve dar sobre a Teologia Bíblica. O trabalho mal começou. Há muito pouco trabalho nesse campo, e muito a ser feito. O que há, encontra-se muito contaminado. A reação conservadora, a tsunami conservadora, desde a metade do século XIX pôs a perder um grande esforço filológico empreendido desde o século XVII, e houve, lamentavelmente, muitos recuos. É preciso retornar severamente àquele compromisso histórico-filológico (a abordagem histórico-social só se pode dar nessa direção), sem negociações, e recomeçar o trabalho propriamente bíblico-exegético. É provável que a alternativa nasça durante essa caminhada, no rigor desse trabalho, depois de levantada parte das pedras que lá estão, à espera. Aqui eu poderia apontar para minha Tese - quantos estão preparados para ela? E, no entanto, como contorná-la? Por ora, digamos assim: para o trabalho, a Teologia Bíblica, exegética, científico-humanista, fenomenológica. E que bom, Haroldo, que estamos aqui.
OSVALDO LUIZ RBIEIRO
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