quinta-feira, 26 de março de 2009

(2009/112) Situacionalidades


1. Ando meio sumido. Tarefas demais têm absorvido praticamente a totalidade do meu tempo. São tarefas que exigem a escrita, a concentração. E são temas diversos. Aí, quando dou por mim, Osvaldo já 'andou' dezenas de postagens. Por isso, trato agora de aproveitar uns minutos na 'janela' entre uma aula e outra para escrever umas linhas e, assim, continuar caminhando neste blog.

2. Hoje foi uma experiência boa na aula de hermenêutica aqui na pós em ciências da religião. O tema que propus foi um passo gigantesco em termos cronológicos e históricos. Queria cobrir o período do Humanismo até o Romantismo. Claro que aí há tantas questões históricas, minúcias, detalhes. Porém, a mim me interessava marcar bem a tese de fundo: os humanistas levantaram corajosamente o questionamento à autoridade por trás dos textos, fontes ou documentos. Emblemático aí são Lorenzo Valla com sua afirmação de que o documento da doação de terras à igreja por Constantino estaria eivado de erros e falsidades. Também Erasmo com sua edição crítica do Novo Testamento em grego contribuiu para colocar em xeque a autoridade por trás do texto oficial da cristandade medieval, que era sabidamente a Vulgata, claro, em latim. Lutero e outros também foram por estas sendas, corajosamente. Isso não se poder. Claro, o que veio depois foi a readequação de relações habituais.

3. O que retrojetou os avanços humanistas rumo à medievalidade foram as reações tanto romano, via Concílio de Trento, quanto a ortodoxia protestante, que não soube responder de outra forma do que com a fidelidade ao dogma. Nas hostes judaicas, o recrudescimento tambem foi similar; o caso Spinoza versus sinagoga mostra bem a questão.

4. O idealismo e racionalismo kantiano ajudaram a situar a racionalidade no plano das discussões. Mas foram os românticos que redescobriram essa veia subjetiva da criação e da recriação, também no processo interpretativo. Neste sentido, Schleiermacher com sua tese da congenialidade ou dos conhecimentos histórico-gramaticais constitui um marco fundamental, embora em termos teológicos muitas das suas posições estão alinhadas com as decisões dogmáticas tradicionais.

5. Schleiermacher e, depois dele, Dilthey ajudaram a formular um postulado fundamental no campo da teoria hermenêutica: a intentio auctoris.

6. Assim, o largo passo do Humanismo até o Romantismo é este: do questionamento da autoridade por trás do texto rumo à descoberta da intenção do autor. Com isso os românticos situaram o autor em termos históricos, perguntando por sua linguagem, seu contexto, suas intencionalidades, suas sensibilidades, etc. Com isso a autoridade por trás do texto, como garantidor de suas verdades e como fundamento de estruturas sociais baseadas em autoridade perderam sua sustentação. A discussão foi trazida ao chão da história. Dos céus o olhar baixou para a terra.

7. Para quem lida, neste campo, com interpretação de textos de quilates distintos, é importante perceber esta dimensão do condicionamento histórico de determinados postulados hermenêuticos. Assim, por exemplo, as teses sobre a inerrância, autoridade e infalibilidade do texto bíblico, que ainda têm tanta recepção no mundo evangélico atual, emergem num momento em que o protestantismo se autocatapulta rumo à medievalidade. A situacionalidade pode ser entendida, compreendida, mas não deveria ser eternizada sob qualquer manto dogmático.


HAROLDO REIMER

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