quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

(2009/012) Da lucidez possível


1. A declaração mais lúcida que li até hoje a respeito do "metafísico" devo-a a Edgar Morin. Partindo da Teoria do Big Bang, em O Método 1 - a natureza da natureza, Morin afirma, que até o Big Bang, as cartas estão dadas, as coisas, certas, as questões, traçadas - aí, nada é "sobrenatural", tudo é material. Todavia, ainda é ele quem o diz, o Big Bang é uma cunha - histórica! - no coração da matéria, na carne do Universo, que é, então, histórico. Ainda é ele dizendo, o histórico implica na pergunta pelo depois - e já sabemos o que a Física, em toda a sua pujança moderna (e, para ela, o pós-moderno não constitui um retrocesso em face da modernidade, como deseja a retórica despeitada de algumas supostas posições iluminadas) sabe e diz sobre esse "depois" - e pelo antes, o antes do Big Bang. Para Morin, deve haver um antes, e quanto a esse antes, tudo, absolutamente tudo, é, todavia, Inefável - a maiúscula, também, é dele...

2. Haroldo, meu bom amigo - é dessa lucidez que falo. Tem-se de levar verdadeiramente a sério a Crítica da Razão Pura: nada, absolutamente nada "sabemos" sobre o que houve, há e haverá para além da matéria. Manter, afetivamente, voluntariosamente, um "Tu" supostamente incontaminado por essa condição de chumbo é, ainda, auto-engano, superado somente pela consciência inegociável de que a sua manutenção pode ser tomada na condição de mito consciente, de imaginação afetivo-volitiva, com a condição de jamais ser usado como argumento para qualquer coisa além de nossos devaneios subjetivos em busca de paz interior.

3. E esse "Tu", assim tornado criatura nossa, mito nosso, reduz-se demais para assumir, ainda, aquela forma inconfessada que se poderia manter a partir de Buber - bem como para Lévinas -, para quem, contudo, esse "Tu" nada tem de mítico - pelo contrário, é a expressão daquele fogo que queima a face, como quer a mística judaica.

4. É esse um terreno extraordinariamente rico - de imaginações. Riquíssimo - de focos para a pesquisa científico-cognitiva desse fenômeno que é mais do que crer, é o desejo, quiçá a necessidade, de crer. Que se creia - talvez seja salutar. Mas que não se escamoteie a crença sob a máscara do saber, que ela não é, nunca. É crença. Como qual outra. Inclusive, a do ateu.


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

PS. sei que a dor cala a lucidez, mas, no momento, não dói (tanto), logo, permito-ma.

3 comentários:

Robson Guerra disse...

Oi, Osvaldo.

Acabo de ler os posts falando do "Tu".

No final deste você falou da dor.

Uma vez falamos disso na aula. A dor da desconstrução de anos de catequese e do esclarecimento sobre a condição mítica da idéia que as pessoas têm de Deus, do Sagrado. Dói, mas passa. Fica eventualmente a solidão. Já comecei a senti-la.

Concordo que para haver lucidez seria necessário estar consciente da condição mítica do "Tu". Lembrar de Feuerbach é imprescindível. Tomar consciência da projeção antropológica na construção das idéias sobre o Sagrado seria incontornável para haver lucidez.

Semana que vem recomeçam as aulas lá em N. Iguaçu. Teremos mais oportunidades para falar sobre isso.

Um abraço.

Robson Guerra.

Peroratio disse...

Robson, se me permite dizê-lo: nunca tive um professor que, como eu, dissesse tão claramente aos alunos as coisas da iconoclastia. Tive-os, críticos, como Haroldo, que brilha como jóia entre os demais. Mas nunca foram tão acintosos - como eu sou. O que setá melhor: ter professores que apenas deixam escapar sugestões, críticas, ou um cavalo selvagem, arrombador de cercas, como eu? Não sei. Nunca saberei como teria agido se me encontrasse, eu mesmo, pela frente.

Também nunca tive um aluno como você. Praticamente, repete as coisas em que acredito, ainda que as repita roubando-as dos mesmos autores que eu "adoro". No fundo, não é o que quero, mas, a rigor, é o que devo esperar como "produto". Mas asssuta. Dá medo. É mais fácil enfrentar acendedores de fogueira. Como será lidar com alguém como você, que vê as coisas pela janela que eu olho?

Aprenderemos juntos - até que, como El Grego em relação a Ticiano, você perceba que, afinal, eu ainda era um cavalo que refugava...

Osvaldo

Robson Guerra disse...

Osvaldo, eu é que fiquei assustado agora... rsrsrs

Às vezes penso em como seria se não tivesse tido aulas com você, se tivesse ido estudar em outro lugar...

Mas, aconteceu de eu estar lá, em 2007, naquela sala de aula, lá em cima, um calor terrível, e eis que você entra. Interessante, foi a primeira aula, se não me engano. Você perguntou: O que é Teologia?

É, também me assusto, às vezes, com a direção que tomei. Mas, "...faz-se caminho enquanto se anda...", não é mesmo? Procuro e procurarei trilhar o meu próprio caminho... No momento, sou estudante, aprendiz, num começo de caminhada (acho que, na verdade, somos todos aprendizes).

Então, como diz a música do Toninho Horta, "Manuel, o audaz": "Iremos tentar
Vamos aprender
Vamos lá"

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