quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

(2009/008) De ovos gorados


1. Eis aí a que chegamos, depois de milênios de recionalização teológico-religiosa: "alguém", lá de fora, pôs o ovo humano. O ovo, humano, choca, e, quando choca, "alguém", lá de fora, entrega-lhe, não ao ovo, mas Ao homem-chocado, a "lei". O ovo chocado, o homem não-gorado - mas esse homem é um aborto! -, saído do ovo d'além, "lei" na mão, põe-se na fila, no lugar.

2. Tudo o mais passa por aí. Toda a religião, toda a fé, toda a teologia, passa por aí - não é por outra razão que os teólogos - dito críticos! - do início do século XX (Bultmann, por exemplo, mas ele não está, definitivamente, só!) - odiavam com ódio de morte a idéia de uma "revelação 'natural'". Não! A revelação, a verdadeira, ah, aquela de que nós, teólogos, precisamos, pastores, necessitamos, é aquela que vem lá de fora, Porque essa que se poderia reunir observando pedras e besouros, ah, essa é democraticamente aristotélica demais...

3. Todavia, esse "argumento" teológico, esse roteiro mítico, essa pantomina religiosa, ela é apenas o lado externo da coisa, do ovo de áspide. O cerne da questão não é nem a historieta, o mito, nem as personagens que a habitam - mas aquele, aquela, aqueles ou aquelas que a manipulam, dê-se a eles o nome que se quiser: xamã, pajé, sacerdote, profeta. Regra inquebrável: onde quer que haja alguma coisa vinda desde um lá de fora, fatalmente haverá um que a traga. Esse "um", é ele, e nada mais, a "alma" do sistema. A palavra que resume tudo é poder.

4. Mas basta que se olhe nos olhos desse sujeito, xamã, pajé, sacerdote, e se lhe diga que é tudo mito, pronto, acabou-se. Como bolha de sabão, puf!, o ar vê-se respingar-se de gotículas translúcidas e transcoloridas, resíduos diáfanos de quimera. E, contudo, nada há, nesses milênios humanos, mais forte do que esse mito, e nada tão contemporâneo. Que força! Que vitalidade! Que atualidade!

5. Sua vitalidade, a vitalidade dessa invenção e desse engodo, vê-se, hoje, nas igrejas. Deus, perdeu-se a vergonha! O século XXI abre-se, no Brasil, desenhado pela patifaria religiosa. Deus, as TV ostentam o crime de lesa-humanidade! E toleramos. Indecência e pecado, intolerável pecado, pratica-se diante dos expectadores - em nome de Deus. E digo: para sua vergonha. Ah, sim, a política, a maior, a de fato, a de Casas de toda cor, gosta disso...

6. Ah, essa é a capital da putrefação religiosa. Mas há outras localidades, mais periféricas, mas, nem por isso, menos indecentes. Não se vê como os teólogos profissionais - há exceções, quero crer - andam alvoroçados com o "retorno" da religião, depois do século XIX e das "profecias" da Trindade MNF? Ah, sim, quanta gente feliz, satisfeita, relaxada - porque a "religião" está aí, forte como nunca, e não apenas na África, fóssil vivo, mas no coração do Primeiro Mundo, na boca de Bush, no suor indecente de pastores midiáticos. Tragédia! Hipocrisia! Não, não - tudo, tudíssimo, ação contada e premeditada... Sabe-se, sim, senhores, sim, senhoras, exatamente o que se está fazendo, aí, quando se faz isso: ontem de noite ensaiaram-se as palavras, os gestos, os fetiches.

7. Os dois sóis em torno dos quais a massa gravita são eles: o mito e o sacerdote. O homem, ovo da terra, assume-se como ovo alienígena, e assume o palrador midiático como "intermediário" - um Platão sem-vergonha, porque, ao menos, Platão disfarçava-se de filósofo (talvez a platéia assim o exigisse, mas, hoje, aceita-se a indecência, já que a pornografia já se aceitou faz tempo). Não é que, assim, esse ovo telúrico, porque crê-se celeste, torne-se naquilo em que crê. Nada. Ícaro não criou asas - Dumont as teve de inventar. O que resulta, de concreto, é a manipulação das massas, para lá! paa lá, para cá!, para cá. Mal, muito mal, péssimo começo para um século tão esperado - a era de Aquarius revela que a água que contém é a mesma água suja das eras anteriores.

8. No momennto, não vislumbro esperança.


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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