1. Suspeito - e muito - de uma filosofia, uma "epistemologia" contra-epistemológica, contemporânea, pousante aqui e ali, que desfundacionaliza o discurso, que nega a validade extra-retórica dos discursos, que postula uma independência noológico-discursiva das proposições em face do "real", que, trocando em miúdos, diz que tanto fez quanto tanto faz, tudo, no frigir dos ovos, não tem nenhuma base. Suspeito desses discursos.
2. Para mim, a ciência - em sentido amplo, amplíssimo, incluídas aí as duras, as moles, as em construção, as que hão de vir - constitui uma metalinguagem, uma ferramenta retórico-analítica inventada por uma comunidade em constante construção e formação, desconstrução e deformação, em constante mudança, em ininterrupta auto-crítica, seja crítica de si mesma, seja crítica de seus fundamentos e metalinguagem.
3. Trata-se de uma metalinguagem, porque ela é artificial: é diferente da linguagem ordinária, intra-cultural, necessariamente prosaica e cotidiana, provinciana. A metalinguagem da ciência é um sistema de informação aberto, uma teoria, inventada pela comunidade - difícil de identificar-se objetivamente - científica, isso por meio de diálogos cooperativos, de confronto, de antagonismos, de críticas, de consensos - ininterruptamente.
4. Sua regra é dupla: coerência interna e coerência externa. Isso significa que ela sabe que se constitui de uma ferramenta artificial, de uma metalinguagem com regras (sintáticas, semânticas, pragmáticas, lógicas) próprias, sim, e, ao mesmo tempo, de um discurso representacional, teleologicamente metodológico, em face da matéria - do "real" (em todas as suas dimensões - físicas, biológicas, antropológicas, sociológicas e noológicas).
5. A metalinguagem científica, essa rede de duplo espectro, se burlada, dessencializa a própria ciência - só o é aquela que, ao mesmo tempo, preocupa-se, significativamente, até a neurose, tanto consigo mesma (coerência lógica do discurso) quanto com seu objeto - a matéria. Nesse nó encontra-se o entroncamento entre a "primeiridade" e a "secundidade" da semiologia de Charles S. Peirce, sem a qual, arrisco afirmar, não há ciência.
6. Logo se vê que a ciência jamais sairá de seu jogo discurso/objeto/discurso de um modo que, podendo superá-lo, checasse ulterior e definitivamente seus resultados/postulados. Não há Platões na ciência - nem revelações (a rigor, sempre platônicas e sacerdotais). A ciência constitui o paralelo perfeito para o Übermensch - sem Übermensch, não há ciência, sem a ciência, não há Übermensh. Onde um e/ou outro não há, há a Tradição, há Deus.
7. Por que suspeito de quem suspeita desse jogo? Porque a única alternativa a ele é a ideologia fechada, determinada a priori, à qual, como craca, as pessoas se agarram, como cães ao osso velho. Como alternativa à crítica científica ininterrupta, instala-se a utopia política, o engajamento político como motivo e pendor, e isso como fim e legitimação da práxis (mas também isso não comprota uma teoria?), o óculos de celofane de cor ideológica. Às vezes, um suposto desinteressamento de tipo rortyano, que conmsiste, nada mais, nada menos, do que a negação dos fundamentos, logo, dos discursos fundacionais (mas isso também não é o postulado de um fundamento? - não, não: a rigor, uma decisão de estilo divino: o que o pequeno deus decide, assim o é). Ah, sim, a ciência é, sim, ideologia, mas, como Edgar Morin já nos ensinou, ideologia aberta constitui teoria, ao passo que ideologias fechadas constituem doutrina. A ciência, em si, por seus próprios postulados, não é doutrina, ao passo que a não-aceitação do jogo científico, corrijam-me, se estiver errado, lança o negador, a negadora, no limbo do relativismo falso (na hora H os fundamentos se revelam) ou da posição política de mármore, aquela do tipo "quem me disser que estou errado que vá pro inferno!", com que já me deparei...
8. Para mim, essa é a condição da ciência - discurso sempre aberto e sempre ecológico. Sua intransigência reside no fato de que não abre mão da discussão metodológica, da exigência de satisfação pública, sem que, contudo, a satisfação valha por si mesma, independentemente de sua condição lógico-retórica e teórico-material-empírica, e, bem sabido, estando a "comunidade de interpretação" (Karl-OttoApel) ciente de que ela é o critério subjetivo de verificação da própria ciência, à qual, contudo, ela, comunidade, se submete, sem que, co ntudo, por causa disso, não submeta a si a ciência a que se submete - complexidade recursiva. A ciência exige, em todos os sentidos, máximo rigor, máxima honestidade. A ciência é a casa da autonomia (sem que, contudo, não haja quem se falsifique de cientista - conceito difícil de se aplicar à Teologia, já que ela é o que diz ser, e, desde que o Teólogo diga que é, é, salvo se, no fundo, Teologia é, inconfessadamente, Verdade, sendo por meio dessa Verdade - Tradição e Norma, Obrigação e Dever - que se identificam os "verdadeiros teólogos" [na prática é isso mesmo]).
9. É essa uma sensível diferença entre Teologia (como foi e é) e Ciência (que, postulo, a Teologia deve chegar a ser). A Teologia sabe. A Ciência quer saber... A Teologia julga os métodos por sua Verdade - por meio de seus interesses. A Ciência julga as verdades por meio dos seus próprios métodos - bem sabido, as verdades científicas. A Teologia vem do céu - negam-no a maioria (unanimidade?) dos teólogos auto-confessados não-fundamentalistas, mas, na prática, não é uma verdadeira negação, porque se pode pegá-los, a qualquer momento, em flagrante negação da negação. A Ciência é feita na terra. A Teologia é "perene" (só muda a cor do confeito... a massa do bolo é a mesma de Platão). A Ciência é provisória.
10. Eu, todavia, sou tão chato, nesses termos, tão teórico-metodologicamente intransigente (para os círculos acadêmicos!) que, se a Teologia não se fizer assim - Ciência -, faço uma pra mim, e jogo-a, até que companheiros de jogo decidam jogar também. Como o diz Johan Huizinga (Homo Ludens), para a Teologia (por minha conta), a velha, tornei-me o desmancha-prazer, porque, aos jogadores honestos e aos batoteiros (Huizinga os põe do mesmo lado), eu digo - ah, esse jogo é muito sem-graça, os dados dão sempre os mesmos números!
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
2. Para mim, a ciência - em sentido amplo, amplíssimo, incluídas aí as duras, as moles, as em construção, as que hão de vir - constitui uma metalinguagem, uma ferramenta retórico-analítica inventada por uma comunidade em constante construção e formação, desconstrução e deformação, em constante mudança, em ininterrupta auto-crítica, seja crítica de si mesma, seja crítica de seus fundamentos e metalinguagem.
3. Trata-se de uma metalinguagem, porque ela é artificial: é diferente da linguagem ordinária, intra-cultural, necessariamente prosaica e cotidiana, provinciana. A metalinguagem da ciência é um sistema de informação aberto, uma teoria, inventada pela comunidade - difícil de identificar-se objetivamente - científica, isso por meio de diálogos cooperativos, de confronto, de antagonismos, de críticas, de consensos - ininterruptamente.
4. Sua regra é dupla: coerência interna e coerência externa. Isso significa que ela sabe que se constitui de uma ferramenta artificial, de uma metalinguagem com regras (sintáticas, semânticas, pragmáticas, lógicas) próprias, sim, e, ao mesmo tempo, de um discurso representacional, teleologicamente metodológico, em face da matéria - do "real" (em todas as suas dimensões - físicas, biológicas, antropológicas, sociológicas e noológicas).
5. A metalinguagem científica, essa rede de duplo espectro, se burlada, dessencializa a própria ciência - só o é aquela que, ao mesmo tempo, preocupa-se, significativamente, até a neurose, tanto consigo mesma (coerência lógica do discurso) quanto com seu objeto - a matéria. Nesse nó encontra-se o entroncamento entre a "primeiridade" e a "secundidade" da semiologia de Charles S. Peirce, sem a qual, arrisco afirmar, não há ciência.
6. Logo se vê que a ciência jamais sairá de seu jogo discurso/objeto/discurso de um modo que, podendo superá-lo, checasse ulterior e definitivamente seus resultados/postulados. Não há Platões na ciência - nem revelações (a rigor, sempre platônicas e sacerdotais). A ciência constitui o paralelo perfeito para o Übermensch - sem Übermensch, não há ciência, sem a ciência, não há Übermensh. Onde um e/ou outro não há, há a Tradição, há Deus.
7. Por que suspeito de quem suspeita desse jogo? Porque a única alternativa a ele é a ideologia fechada, determinada a priori, à qual, como craca, as pessoas se agarram, como cães ao osso velho. Como alternativa à crítica científica ininterrupta, instala-se a utopia política, o engajamento político como motivo e pendor, e isso como fim e legitimação da práxis (mas também isso não comprota uma teoria?), o óculos de celofane de cor ideológica. Às vezes, um suposto desinteressamento de tipo rortyano, que conmsiste, nada mais, nada menos, do que a negação dos fundamentos, logo, dos discursos fundacionais (mas isso também não é o postulado de um fundamento? - não, não: a rigor, uma decisão de estilo divino: o que o pequeno deus decide, assim o é). Ah, sim, a ciência é, sim, ideologia, mas, como Edgar Morin já nos ensinou, ideologia aberta constitui teoria, ao passo que ideologias fechadas constituem doutrina. A ciência, em si, por seus próprios postulados, não é doutrina, ao passo que a não-aceitação do jogo científico, corrijam-me, se estiver errado, lança o negador, a negadora, no limbo do relativismo falso (na hora H os fundamentos se revelam) ou da posição política de mármore, aquela do tipo "quem me disser que estou errado que vá pro inferno!", com que já me deparei...
8. Para mim, essa é a condição da ciência - discurso sempre aberto e sempre ecológico. Sua intransigência reside no fato de que não abre mão da discussão metodológica, da exigência de satisfação pública, sem que, contudo, a satisfação valha por si mesma, independentemente de sua condição lógico-retórica e teórico-material-empírica, e, bem sabido, estando a "comunidade de interpretação" (Karl-OttoApel) ciente de que ela é o critério subjetivo de verificação da própria ciência, à qual, contudo, ela, comunidade, se submete, sem que, co ntudo, por causa disso, não submeta a si a ciência a que se submete - complexidade recursiva. A ciência exige, em todos os sentidos, máximo rigor, máxima honestidade. A ciência é a casa da autonomia (sem que, contudo, não haja quem se falsifique de cientista - conceito difícil de se aplicar à Teologia, já que ela é o que diz ser, e, desde que o Teólogo diga que é, é, salvo se, no fundo, Teologia é, inconfessadamente, Verdade, sendo por meio dessa Verdade - Tradição e Norma, Obrigação e Dever - que se identificam os "verdadeiros teólogos" [na prática é isso mesmo]).
9. É essa uma sensível diferença entre Teologia (como foi e é) e Ciência (que, postulo, a Teologia deve chegar a ser). A Teologia sabe. A Ciência quer saber... A Teologia julga os métodos por sua Verdade - por meio de seus interesses. A Ciência julga as verdades por meio dos seus próprios métodos - bem sabido, as verdades científicas. A Teologia vem do céu - negam-no a maioria (unanimidade?) dos teólogos auto-confessados não-fundamentalistas, mas, na prática, não é uma verdadeira negação, porque se pode pegá-los, a qualquer momento, em flagrante negação da negação. A Ciência é feita na terra. A Teologia é "perene" (só muda a cor do confeito... a massa do bolo é a mesma de Platão). A Ciência é provisória.
10. Eu, todavia, sou tão chato, nesses termos, tão teórico-metodologicamente intransigente (para os círculos acadêmicos!) que, se a Teologia não se fizer assim - Ciência -, faço uma pra mim, e jogo-a, até que companheiros de jogo decidam jogar também. Como o diz Johan Huizinga (Homo Ludens), para a Teologia (por minha conta), a velha, tornei-me o desmancha-prazer, porque, aos jogadores honestos e aos batoteiros (Huizinga os põe do mesmo lado), eu digo - ah, esse jogo é muito sem-graça, os dados dão sempre os mesmos números!
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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