sábado, 6 de dezembro de 2008

(2008/87) Helena Knyazeva - sobre sinergética


1. Comparem-se as duas declarações: a) "graças à sinergética como uma nova teoria da complexidade e da co-evolução, estamos em vias de descobrir uma filosofia da esperança", já que, "em geral, a sinergética está intimamente ligada ao otimismo. É uma tentativa otimista de compreender os princípios de evolução e de co-evolução dos sistemas complexos, de revelar as causas de crises evolutivas, de instabilidade e de caos, se dar conta dos limites de controle e de interferência no desenvolvimento dos sistemas sociais e de dominar os métodos dos sistemas complexos não-lineares de gestão. Trata-se de uma tentativa de achar meios que facilitem um desebvolvimento durável e autoconsistente do mundo" (Helena KNYAZEVA, Teleologia, Co-evolução e Complexidade, em Candido MENDES (org), Representação e Complexidade, p. 159 e 158). Agora, b) "teologia é a interpretação da realidade à luz da esperança" (Enio R. MUELLER, A teologia e seu estatuto teórico: contribuições para uma discussão atual na universidade brasileira, Estudos Teológicos, v. 47, n. 2, 2007, p. 88-103). Em ambas, a esperança.

2. E, contudo... Assim que li o resumo do artigo de Mueller, e preparei-me para resenhá-lo, já sabia: na palavra "esperança" residia a armadilha - ela, a palavra "esperança", ou seria a salvação ou a perdição da fórmula epistemológica da Teologia que Mueller preconizava. Eu percebera que, se a esperança, aí, consistisse num vocábulo aberto, utópico, "construtivo", incerto (Prigogine), Mueller caminhara para a feliz proposição de um programa epistemológico específico para a Teologia - interpretação da realiade (método) à luz da esperança (utopia). Seria excelente aprofundar o insight. E, contudo... se esse vocábulo fosse um casulo para a velha configuração da fé, travestida de outro nome, porque em ambiente acadêmico, ou seja, se esperança, aí, convergisse para escatologia e soterologia cristãs, então, nesse caso, estava eu, mais uma vez, diante da velha tentativa de fazer o velho aparentar ser (o) novo. Minhas suspeitas estavam certas - era uma armadilha (ainda que Mueller não chegue necessariamente a concluir que armara um alçapão para incautos).

3. O que eu experimentara, de excitação, quando lera a fórmula de Mueller (e que a sua adequada exposição, contudo, frustrou-me sobremodo), encontro-a, agora, em Knyazeva e sua "comunicãção" no Colóquo "Agenda do Milênio", reunido em 2003, na Universidade Candido Mendes: sinergética. Não vou entrar nos detalhes. Trata-se, contudo, de uma audaciosa aventura de vanguarda no campo da matemática (da Academia de Ciências de Moscou - não foi, então, por pura civilidade que Prigogine mencionou, em sua própria comunicação, que lá, na Rússia, estão os melhores matemáticos aplicados às teorias de complexidade e caos), com o objetivo de compreender os mecanismos de funcionamento dos sistemas dissipativos não-lineares abertos (a comunicação pode ser lida aqui).

4. O que resulta de incontornável para aquela fórmula de Mueller, nos termos em que Mueller a tenta formalizar - no MEC! - é a absoluta condição auto-organizadora dos sistemas complexos. Em termos os mais simples possíveis, elementos/sistemas que compõem macro-sistemas complexos co-evoluem por meio de interações com o meio e com os demais sistemas, desde dentro, "avançando" pela influência de atratores ainda em formação e potencialmente arquiteturados no próprio meio de co-evolução. Assim, não se pode falar, primeiro, de ingerência de fora do sistema - uma teleologia não sistêmica está descartada. Segundo, trata-se, em todos os sentidos, com todas as implicações, de História, o que significa dizer que não há "futuro", mas futuros (finitos) possíveis, que se vão construindo (atualizando) à medida das interações sistemas-sistemas, sistemas-meio e sistemas/sistemas-meio.

5. Proporia aos meus interlocutores, especialmente a Haroldo e Jimmy, mas, de resto, a todos os leitores, que refltissem sobre a situação em que as ciências atuais colocam a "Teologia". A condição mitológica do conjunto das doutrinas - sem exceção - interage de modo co-evolutivo conosco. As variáveis são aleatóreas, mas previsíveis em termos de probabilidade. Quanto mais eu me apego a elas como "expressão" (ontológica ou metafórica) da verdade e do destino, tanto mais eu tenho de fazer força para sustentar sua credibilidade, e, à medida que as regras gerais do consenso acadêmico e científico vão se espraiando e enfronhando na sociedade, mais conservadora e reacionária tende a ser minha posição - a despeito de toda minha pretensa atitude progressista.

6. O que está em jogo, e isso me parece definidor do fim de uma era teológica, é a radical consciência epistemológica em face das "doutrinas", da "fé", dos "dogmas", da "Teologia", da "Tradição". Deve-se, arrisco dizer, considerá-las, todas, mitologias, sem exceções, quaisquer que sejam. O conjunto das reflexões epistemológicas desenvolvido nos últimos duzentos anos deixa-nos em condição de, ao mesmo tempo, de um lado, admitir e reconhecer o papel dessas construções simbólicas na co-evolução das sociedades, e, de outro, o caráter absolutamente noológico/criativo desses sistemas doutrinários, fechados em si mesmos, especialistas (mas não os únicos) em recalcar o "real", de tomarem-se e se fazerem tomar pelo próprio real, que recalcam: alienção inescapável. Ora, a co-evolução dos sistemas sociais dá-se, também, por meio do modo como o sistema humano interage com suas próprias elaborações simbólicas. O que vimos, até aqui, foi a co-evolução de sociedades religiosas, e, de resto, políticas, por meio de uma relação de credibilidade sacerdotal-metafísica em face dos mitos elaborados por pessoas da própria sociedade, travestidas em arautos da "revelação": a credibilidade na revelação é a chave política desses sistemas. Ora, uma nova atitude diante de tais sistemas haverá de transformar substancialmente o processo de co-evolução desses mesmos sistemas, já que os "futuríveis" (os futuros possíveis, no dizer de Knyazeva) constroem-se desde dentro do próprio presente - não constituindo um ponto fora dele, para o qual ele, o presente, caminha, ixeroravelmente - o futuro, aí, é como o Übermensch: está aberto, é ser aberto, é ser e fazer-se em abertura inexorável, um nunca-se-esta(rá)-lá - a despeito das ontologias fortes, e da "esperança" (dogma) da Teologia de viés platônico.

7. Meu convite é para uma nova - absolutamente nova - Teologia. Ela se fará, nesse sentido, ciência, o que me inspira a transcrever outro parágrafo de Knyazeva, que, em tudo, me faz lembrar de Karl-Otto Apel: "o estudo das ciências naturais está às vésperas de se humanizar, enquanto o estudo humanítico torna-se impossível sem novos métodos de pesquisa naturais, científicos, matemátics, não-lineares" (op. cit., p. 158). O que não se dizer, pois, da Teologia!

8. Nós, teólogos, quão despreparados - em todos os sentidos (psicológicos, epistemológicos, políticos, metodológicos, espirituais, até!) - estamos para ela, e, contudo, sem nós, ela não vem...


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

Um comentário:

Joe Black (Joevan Caitano) disse...

Eu não conhecia esses dois autores citados no texto...nunca tinha ouvido falar deles.



(Helena KNYAZEVA, Teleologia, Co-evolução e Complexidade, em Candido MENDES (org), Representação e Complexidade, p. 159 e 158). Agora, b) "teologia é a interpretação da realidade à luz da esperança" (Enio R. MUELLER, A teologia e seu estatuto teórico: contribuições para uma discussão atual na universidade brasileira, Estudos Teológicos, v. 47, n. 2, 2007, p. 88-103). Em ambas, a esperança.

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