1. O "melhor" de De Deus que vem à Idéia é o capítulo "6 - Questões e Respostas", que transcreve uma sabatina a que Lévinas submeteu-se na Universidade de Leyden em 20 de março de 1975. Nela, professores (de diversas áreas) fazem perguntas diretas, e a mais das vezes, críticas, a Lévinas, dando a ele oportunidade de expor/explicar seu(s) posicionamentos(s). Foi muito, muito agradável ler as respostas de Lévinas, porque isso serviu-me como "critério de verificação" - eu estava lendo Lévinas, tirando minhas conclusões, e, agora, a partir das respostas do próprio Lévinas, podia certificar-me de que estava compreendendo exatamente o que Lévinas estava tentando dizer/fazer nos capítulos anteriores. É rara a oportunidade de se poder verificar o nível de compreensão a que se chega(ra) numa leitura - você sempre tem, apenas, o texto do autor na mão. Com esse capítulo a que me refiro, Lévinas, em pessoa, digamos assim, confirma minhas leituras de Lévinas em papel.
2. Por isso, deixem-me explicitar uma posição ético-político-metodológica, com o que desejo facilitar a minha compreensão por parte de meus leitores e interlocutores: não se tente ler nenhuma linha minha no sentido de interpretá-la como que a partir de uma posição do tipo "nós" contra "eles" ou do tipo "bons" contra "maus". Por exemplo, quando falo contra a Tradição (com T maiúsculo), não estou falando do que somente os "maus" (o Poder) fazem por meio da instrumentalização de "sistemas de informação fechados" (ideologia-doutrina [Morin]). Sim, é verdade que também os "maus" instrumentalizam ferramentas culturais. Mas minha crítica não vai ao "uso" da ferramenta, como que se o problema não fosse a ferramneta em si, mas, apenas, o uso "mau" que se faz dela.
3. Usando a ótica acima, que procuro desfazer, poder-se-ia postular, por exemplo, o uso de "sistemas de informação fechados" (ideologia-doutrina [Morin]) para contra-atacar os "maus". Assim, os "bons", em sua cruzada de libertação contra os "maus", estariam justificados quanto ao uso ideológico das doutrinas, porque, a rigor, não seriam as próprias doutrinas "alienantes", mas, nesse caso, apenas o mal uso que delas se faz. Para ser franco: por exemplo, utilizar-se de discursos metafísicos - cujo sujeito é Deus, ou, ainda, cujos sujeitos, "profetas", falam em nome de Deus, asseverando o "partido" de Deus (tanto de modo geral [eidética ontológica] quanto "nesse caso particular [ética teológica]) - para o enfrentamento de situações políticas concretas, fazendo à massa saber, pelo "oráculo", que "Deus está com ela". Direita e esquerda disputam o corpo morto de Deus...
4. Esta é a minha mais severa crítica à Teologia da Libertação, o que me coloca em uma posição muito ambígua, eu sei. Em termos éticos, políticos, alio-me aos valores que, no discurso, parecem nortear a TdL - liberdade, igualdade, fraternidade, justiça, o olhar de misericórdia em direção aos que sofrem, quaisquer que sejam. Mas - insisto, esta é minha idiossincrasia nesse campo - considero que a tentativa de alcançar e implantar tais valores, na terra, por meio de retóricas metafísicas, especificamente aquela em que se faz de Yahweh/Jesus/Deus/Trindade o(s) agente(s) "divino(s)" do projeto revolucionário não me parece moralmente justificado. "Ver" Deus é uma questão estética - cada qual cuide de si - fazer Deus ser visto é uma questão, no todo, política, com implicações no campo da psicologia, da antropologia, da sociologia, se esses campos significam alguma coisa.
5. Não importa se os "maus" usam "Deus", não importa se os "bons" usam Deus - a instrumentalização em si do discurso de/sobre "Deus" soa-me intoleravelmente anacrônico (mas, a rigor, ainda se caminha na Idade Média teológica e, conseqüentemente, política), perigosamente intoxicante (alienante, para recuperar a crítica, acertada, de Marx). A "decantada" ressurreição, seu reavivamento, da "religião"´no século XX, principalmente no seu final, em nenhum sentido, absolutamente nenhum, desmente, como se pretende, Marx - pelo contrário: lança ainda mais culpa sobre quem dela se utiliza para projetos cripto-políticos/pseudo-teológicos (se bem que, nesse caso, teologia é sinônimo de política). Uma religião, hoje, viva, mas ignorante de si como mito, continua a ser a mesma coisa que se disse, acertadamente, dela, no século XIX e início do XX (Feuerbach, Marx, Freud). A função estética da religião não jsutifica seu uso político programático. Uma "teologia" que se sirva, politicamente, do mito, nada mais é que política - voltamos à Bela Cidade.
6. Resumindo, minha crítica à Tradição não é a Roma ou Wittenberg como atualizações concretas e histórico-políticas do Poder - mas a toda e a qualquer instância que, a favor ou contra Roma/Wittenberg, cuide instrumentalizar o discurso de/sobre Deus para a cooptação das consciências. E insisto: mesmo que se o faça, pretensamente, para o bem, aí, como o disse muito bem Aldous Huxley a respeito da "manipulação das massas", não se faz o bem: "produzir deliberadamente a intoxicação das massas - mesmo que em nome da religião e supostamente 'para o bem' do intoxicado - não se justifica moralmente" (Aldous Huxley, "Apêndice", em Os Demônios de Loudun, p. 327-328). Lexotan e Prozac agem em direções opostas - mas ambos são fármacos.
7. Aos críticos de minha posição, facilitaria o trabalho: basta demonstrar - mas honestamente! - que, em termos científico-humanistas (a auto-defesa constituída internamente à própria teoria "metafísica" já iniciaria a rotina de suas engrenagens comprometida com sua própria máxima de partida), a "metafísica" e a "teologia", mesmo sob recorte político, não constituiriam, não, "manipulação de consciências" da parte de "profetas" e "sacerdotes". Mas cuidado: se tentar a demonstração, convém estar de alma preparada para a descoberta do contrário! O resultado é avassalador...
8. Está na hora de pensarmos a religião e a teologia fora da plataforma metafísica - e, advirto, sem os compromissos políticos perceptíveis na saída por meio da "metáfora". Nesses termos, estou aberto à contra-crítica. A fé, contudo, cada qual guarde pra si...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
2. Por isso, deixem-me explicitar uma posição ético-político-metodológica, com o que desejo facilitar a minha compreensão por parte de meus leitores e interlocutores: não se tente ler nenhuma linha minha no sentido de interpretá-la como que a partir de uma posição do tipo "nós" contra "eles" ou do tipo "bons" contra "maus". Por exemplo, quando falo contra a Tradição (com T maiúsculo), não estou falando do que somente os "maus" (o Poder) fazem por meio da instrumentalização de "sistemas de informação fechados" (ideologia-doutrina [Morin]). Sim, é verdade que também os "maus" instrumentalizam ferramentas culturais. Mas minha crítica não vai ao "uso" da ferramenta, como que se o problema não fosse a ferramneta em si, mas, apenas, o uso "mau" que se faz dela.
3. Usando a ótica acima, que procuro desfazer, poder-se-ia postular, por exemplo, o uso de "sistemas de informação fechados" (ideologia-doutrina [Morin]) para contra-atacar os "maus". Assim, os "bons", em sua cruzada de libertação contra os "maus", estariam justificados quanto ao uso ideológico das doutrinas, porque, a rigor, não seriam as próprias doutrinas "alienantes", mas, nesse caso, apenas o mal uso que delas se faz. Para ser franco: por exemplo, utilizar-se de discursos metafísicos - cujo sujeito é Deus, ou, ainda, cujos sujeitos, "profetas", falam em nome de Deus, asseverando o "partido" de Deus (tanto de modo geral [eidética ontológica] quanto "nesse caso particular [ética teológica]) - para o enfrentamento de situações políticas concretas, fazendo à massa saber, pelo "oráculo", que "Deus está com ela". Direita e esquerda disputam o corpo morto de Deus...
4. Esta é a minha mais severa crítica à Teologia da Libertação, o que me coloca em uma posição muito ambígua, eu sei. Em termos éticos, políticos, alio-me aos valores que, no discurso, parecem nortear a TdL - liberdade, igualdade, fraternidade, justiça, o olhar de misericórdia em direção aos que sofrem, quaisquer que sejam. Mas - insisto, esta é minha idiossincrasia nesse campo - considero que a tentativa de alcançar e implantar tais valores, na terra, por meio de retóricas metafísicas, especificamente aquela em que se faz de Yahweh/Jesus/Deus/Trindade o(s) agente(s) "divino(s)" do projeto revolucionário não me parece moralmente justificado. "Ver" Deus é uma questão estética - cada qual cuide de si - fazer Deus ser visto é uma questão, no todo, política, com implicações no campo da psicologia, da antropologia, da sociologia, se esses campos significam alguma coisa.
5. Não importa se os "maus" usam "Deus", não importa se os "bons" usam Deus - a instrumentalização em si do discurso de/sobre "Deus" soa-me intoleravelmente anacrônico (mas, a rigor, ainda se caminha na Idade Média teológica e, conseqüentemente, política), perigosamente intoxicante (alienante, para recuperar a crítica, acertada, de Marx). A "decantada" ressurreição, seu reavivamento, da "religião"´no século XX, principalmente no seu final, em nenhum sentido, absolutamente nenhum, desmente, como se pretende, Marx - pelo contrário: lança ainda mais culpa sobre quem dela se utiliza para projetos cripto-políticos/pseudo-teológicos (se bem que, nesse caso, teologia é sinônimo de política). Uma religião, hoje, viva, mas ignorante de si como mito, continua a ser a mesma coisa que se disse, acertadamente, dela, no século XIX e início do XX (Feuerbach, Marx, Freud). A função estética da religião não jsutifica seu uso político programático. Uma "teologia" que se sirva, politicamente, do mito, nada mais é que política - voltamos à Bela Cidade.
6. Resumindo, minha crítica à Tradição não é a Roma ou Wittenberg como atualizações concretas e histórico-políticas do Poder - mas a toda e a qualquer instância que, a favor ou contra Roma/Wittenberg, cuide instrumentalizar o discurso de/sobre Deus para a cooptação das consciências. E insisto: mesmo que se o faça, pretensamente, para o bem, aí, como o disse muito bem Aldous Huxley a respeito da "manipulação das massas", não se faz o bem: "produzir deliberadamente a intoxicação das massas - mesmo que em nome da religião e supostamente 'para o bem' do intoxicado - não se justifica moralmente" (Aldous Huxley, "Apêndice", em Os Demônios de Loudun, p. 327-328). Lexotan e Prozac agem em direções opostas - mas ambos são fármacos.
7. Aos críticos de minha posição, facilitaria o trabalho: basta demonstrar - mas honestamente! - que, em termos científico-humanistas (a auto-defesa constituída internamente à própria teoria "metafísica" já iniciaria a rotina de suas engrenagens comprometida com sua própria máxima de partida), a "metafísica" e a "teologia", mesmo sob recorte político, não constituiriam, não, "manipulação de consciências" da parte de "profetas" e "sacerdotes". Mas cuidado: se tentar a demonstração, convém estar de alma preparada para a descoberta do contrário! O resultado é avassalador...
8. Está na hora de pensarmos a religião e a teologia fora da plataforma metafísica - e, advirto, sem os compromissos políticos perceptíveis na saída por meio da "metáfora". Nesses termos, estou aberto à contra-crítica. A fé, contudo, cada qual guarde pra si...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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