terça-feira, 11 de novembro de 2008

(2008/37) Últimas reações ao post 2008/33, de Haroldo

1. Agora, Haroldo, serei mais contido. Apenas pinçarei provocações suas, e reagirei, devolvendo a provocação, como convém ao diálogo. Vamos lá.

2. Você disse: "Teologia e mitologia. Melhor dizer: teologia é mitologia. Porque classicamente o é, o foi e ainda continua a ser". Sem nenhuma dúvida. Mas você fala de passado e presente. E quanto ao futuro? Crês, e crês de fato, ser possível que ela, transformando-se, deixe de sê-lo? Quanto a mim, ressalvado o fato de que todo discurso humano tem, no e de fundo, uma base mítica insuperável (a antecipação do "todo" que dá sentido às partes), eu responderia que "sim", transformando-se, a teologia, eventualmente, pode deixar de ser mito, logo, política ou estética, e tornar-se heurística. O que ela virá a ser? Bem, primeiro decidamos se queremos a transformação. Sim, queremos. Bem, então vamos discutir em que trilho ela se obriga, então, a andar, e, assim, no que ela se torna.

3. Seu parágrafo 4, ainda aquele de onde extraí o citado do meu parágrafo 2, é estranho. Não sei se você diz, mesmo, o que penso que disse: "teologia é mitologia (...) enquanto esforço reflexivo sobre esse patrimônio narrativo, cultural e simbólico". Você se refere, aí, ao esforço reflexivo que ela faz ainda agora, ou seja, quando ainda é "mitologia"? Se sim, então não se trata, a rigor, de esforço reflexivo, mas de racionalização - que é diferente daquilo, porque a racionalização é a discursivização baseada em conteúdos validados a priori e mantidos como fundamento sine qua non da "reflexão". A Teologia que postulo, se vier, não racionalizará conteúdos apriorísticos e normativos, mas será, sobretudo, iconoclasta, crítica, auto-crítica, metodológica, acima de tudo porque nada há melhor do que métodos, a despeito de Feyerabend e dos encômios que lhe faça Rubem Alves em Filosofia da Ciência. Prefiro Nietzsche e sua afirmação de que o que há de mais importante é o método, e também o que contra si tem a tradição e a preguiça. Esclareça-me, eventualmente, sobre o que quis dizer.

4. Outra: "enquanto somente ‘teologia cristã’, esteve aninhada nas tessituras do poder ocidental" (§ 5). Ainda está. Um descuido, no mínimo, levou von Sinner a discutir o estatuto teórico da teologia, recentemente, e esquecer-se de referir-se à teologia umbandista, que tem tanta cidadania (no MEC - FTU) quanto a teologia cristã. Como esquecíamos dos negros, das mulheres, o que vamos corrigindo, lentamente, agora esquecêmo-nos dos teólogos não-cristãos, nossos iguais no sistema. Teremos de nos educar a considerá-los. E ouvi-los?, havemos de querer?

5. Homem de Deus, você o disse!: "os teólogos também o deveriam saber que são fabricantes de representações" (§ 7). A rigor, nenhuma novidade, depois de Feuerbach, e contudo, depois de Barth!, quanta novidade nessa declaração. Folgo em ouvir tal heresia da boca de um teólogo - quanto mais amigo meu! Mas, ah, haverão os teólogos de o confessar, e principalmente quando contam-se na casa incomensurável dos noventa, noventa e cinco pontos percentuais de... hum... entenda o termo: "sacerdotes"? A turma de Vattimo está por aí atrás de dizer que "teologia é metáfora", mas com isso apenas se justifica aquela declaração de entrada de seu parágrafo: "os mitólogos sabem que seus mitos são representações. A comunidade nem sempre o sabe, porque não é interessante que o saiba". Como assim, então, metáfora? Levarei a sério o conflito "ontologia" versus "fenomenologia", próprio da recepção heideggeriana de Kant a Dilthey, mas uma saída política, que, por meio de acordo de prestidigitação, autodenomina-se metáfora, ah, isso não posso levar a sério. Informe-se às comunidades que os teólogos (pastores, pregadores, missionários, evangelistas, as bocas todas, querigmáticas) inventam representações, ou repetem-nas, inventadas desde há muito, e quero ver quantos ficam pra apagar a luz dos templos. Não é por isso que alunos de graduação em teologia fazem contas? Estou do seu lado - sejam informadas. E que se vão, se for o caso. Apaguem-se, antes, as luzes. Pague-se a conta, a última. Venda-se o prédio. Alternativamente, façamos o papel, de novo, de demiurgos...

6. Eita, homem, que parágrafo é esse 7? Uma caixa de afirmações que nos agarram como carrapicho e não soltam! "A tradição crítico-reflexiva impõe um desafio a mais: refletir sobre seu próprio fazer. Isso é a demanda para a teologia na academia enquanto ciência cidadã: caminhar ombro a ombro com as demais. Mas também sem ilusões: cada uma das ciências têm seus jogos de poder, têm seu magos que encantam sem mostrar os ingredientes e o modo de preparo, ainda que isso seja exigência da ciência experimental". Vale a pena ler esse parágrafo e, em seguida, meu post 2008/32. Gabriel, Fábio e Alessandra, alunos do mestrado em teologia, no CETEBES (Vila Velha), consideraram o estatuto teórico da teologia. Lá encontro descanso. E você diz a mesma coisa - "refletir sobre o seu próprio fazer". Mas, eis o ponto, por meio de que ferramental? Não, decerto, o medieval e metafísico, viciado. Você o diz a seu modo: "ombro a ombro com as demais" disciplinas da academia. Boa! E, então, adverte a que não tenhamos ingenuidades. E quem as tem? E, de mais a mais, quando acontece, na academia, o que você descreve como risco, é por erro de processo, por erro de atitude, por erro de vício, por erro de caráter - tudo isso das pessoas. Mas não é a própria ciência quem o postula. Por ela, todos caminhavam serenos e cegos de olhos divinos, cada qual com os olhos nas mãos, como a figura fantástico de O Labirinto do Fauno, que cuidei de pôr acima, à guisa de epígrafe imagética. Olhos nas mãos, a tatear no escuro... Definitivamente, Haroldo, não há, nesse sentido, nenhum padrão de comparação entre ciência e teologia (há?), logo, entre a antiga teologia, morta (para mim) e a nova teologia (não, não há, não), em processo de parto, sob risco de aborto provocado.

7. Ufa, consegui sair do seu § 7. Do 8, extraio sua provocação, seu jeb. Não vou esquivar-me do golpe. "Mas deve fazê-lo enquanto ela mesma". Esse "mas"... que efeito, depois de abrir o parágrafo citando-me em minha insistência na defesa de uma teologia que se faça heurística, logo, que se transforme. Essa teologia, primeiro, deve decidir se aceita a regra do jogo das ciências. Von Sinner e Mueller querem a teologia na academia como ela está. Não vejo como. Zabatiero, que ela saia correndo dessa arapuca, porque, fora da academia, ela, a teologia, já é "saber racional público" (só na cabeça de Habermas, entretanto). Burro empacado e chucro - repetirei, insistentemente, como a mula de Balaão, e que ele me escoiceie o lombo: não há acordos. A teologia é mito. Para fazer-se acadêmica, deve fazer-se método. E a questão é, Haroldo, será ainda "ela"? Em certo sentido, talvez. Mas, em outro sentido, não - será outra coisa. Mas outra coisa em que ela própria há de se transformar, desde dentro, como lagarta. Ponho-me, pois, na varanda, a aguardar o momento da metamorfose. 8. No mais, obrigado, Haroldo, pela oportunidade de escrever e dialogar. Quisera receber de tu e de Jimmy a mesma têmpera na pena. É quase um mimo. Decerto, raro.


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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