quinta-feira, 12 de março de 2020

(2020/021) A secularização do misticismo

O misticismo esconde-se mesmo nas mais renhidas posturas seculares e acadêmicas. O misticismo não secular, não acadêmico, propriamente religioso beatifica-se e bestifica-se diante do "fenômeno". Para esse tipo de místico, o fenômeno é transparente - ele vê o sagrado, o segredo, o santo, que aparece no fenômeno, que responde pelo significado do fenômeno...

Ocorre a mesma coisa com o místico secularizado. Suas categorias são, a princípio, seculares. Por maior que seja a pose pós-moderna, as categorias intelectuais são críticas e modernas. Mas - e como ele vai nos enganar? - é tão místico quanto o religioso clássico. Ele não vai empregar as categorias religiosas, a despeito de sua experiência, a rigor, ser religiosa, mas vai escondê-la debaixo de categorias seculares. O fenômeno deve ser apreendido enquanto tal. Nada de se perguntarem pelas condições de manutenção do fenômeno, de reduzi-lo a suas especificações históricas, causais, mecânicas, psicológicas. Ele vai haurir o fenômeno como um todo semiótico, e nisso reside o procedimento de escamoteamento de sua religiosidade antiga, a despeito do jogo retórico intelectual. É o fenômeno, recortado isolado de seu contexto, mas apreciado como rede autônoma de significado, que é capturado.

Penso que em muitas experiências a religião é um vício. O cérebro tornou-se comprometido, e a despeito de quantas categorias seculares o indivíduo tente usar, é sempre religiosamente que ele vê, ouve e pensa.





OSVALDO LUIZ RIBEIRO

2 comentários:

O Tempo Passa disse...

Osvaldo, estou com dificuldade de identificar esse misticismo, me dê um exemplo!

Peroratio disse...

Na prática, quase todo acadêmico que lida com religião academicamente. O discurso é um, mas quando você observa atentamente, todo pensamento dele é, de fato, religioso. O discurso acadêmico é apenas uma capa.

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