O que um cristão tem dificuldade de entender, porque entender isso implica a sentir-se obrigado a romper com praticamente toda a estrutura discursiva que o animava até aqui, é que as imposições éticas de hoje, as "modernas", tão achincalhadas pelos críticos da modernidade, são infinitamente mais avançadas do que as de ontem, as "clássicas", das quais se tem tanta saudade - ou se diz que tem...
Até ontem, era possível brincar de ser ético e cristão ao mesmo tempo: ainda que já se pudesse perceber a contradição mesmo lá, há dois mil anos, já que lá estavam escritas coisas que, se fôssemos mesmo bons, já a teríamos posto acima de todas as outras, como, por exemplo, querer ao outro o que eu quero para mim, máxima que deveria me fazer refletir sobre o fato de que, se eu quero a minha religião para mim e não quero que ninguém a tire de mim, então deveria respeitar o fato de que o outro religioso quer a sua religião para si e não quer que ninguém a tire dele. Mas eu, que me digo bom, vou lá JUSTAMENTE PARA ISSO.
A ética de hoje explicita essa norma: não posso querer a defesa da minha fé e, ao mesmo tempo, desmerecer e difamar a do outro. Há dois mil anos, Justino, o mártir, já fazia isso, tratando os deuses que não o seu como demônios. Isso é simplesmente criminoso hoje.
Mas o cristão não pode entender isso.
Se ele entender, ele se dissolve no próprio entendimento...
Porque a única força capaz de quebrar esse encantamento anti-ético, que se disfarça em bondade, é a crítica interior, a honestidade intelectual, a auto-crítica, a libertação desse mito, por dentro.
Por isso acontece tão pouco.
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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