segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

(2014/033) Mircea Eliade e a crítica da religião de Feuerbach e Marx



Estou às voltas com textos clássicos de Eliade, porque pretendo escrever um artigo sobre o conceito de sagrado em algumas de suas obras. Nesse quadro, deparo-me com uma nota de rodapé - onde costumamos respirar um ar mais pessoal... Vou transcrever a nota de rodapé e comentar: não posso, nem por um minuto, concordar com Eliade. Não, nesse ponto.


Origens, 70.


Eliade é um dos teóricos que mais marcou a minha formação consciente - aquela que não são mais os professores a determinar, mas você mesmo. Seu "Tratado de História das Religiões" é um dos livros que - definitivamente - mas me desconstruíram e reconstruíram, dando-me estrutura de compreensão - no todo - do fenômeno religioso de modo geral.

Isso dito, e deixando claro, assim, minha incondicional dívida a Eliade, devo, todavia, agora, registrar que não posso concordar com essa nota. Ora, o próprio Eliade, depois de dizer o que diz, vai relativizar o que disse, revelando que sabe que está fazendo uma crítica indevida. Eliade argumenta que a clássica tese de Feuerbach e Marx de religião como alienação é clichê precisa de ratificação. Imediatamente, ele, todavia, comenta que, se fosse valer a tese, ela só valeria para algum tipo de religião, não para todas - e valeria, por exemplo (ele o diz) para as religiões indianas pós-védicas e a tradição judaico-cristã.

Bem, eis o que eu diria.

Primeiro, toda - inteiramente - crítica de Marx é dirigida ao cristianismo - o laboratório são as fábricas inglesas, por exemplo, cristãs, todas. Naquele contexto e, de modo geral, constitui uma tarefa impossível negar que o cristianismo e, de resto, toda a matriz monoteísta, constitua uma engrenagem de alienação radical. Pode-se dizê-lo - fazer com que o discurso se enquadre no mundo real, essa é outra história.

Feuerbach escreveu A Essência do Cristianismo e A Essência da Religião. Nos dois casos - e, quero crer, irrefutavelmente -, revela como a teologia é antropologia. E é. Tudo, absolutamente tudo, na religião, é antropomorfização noológica - isto é, a imaginação de um mundo sobrenatural que é sempre concebido como carregado das características humanas: quando não formais, sempre, certamente, materiais.

Ademais, as religiões lidam com a realidade por meio de mitos, e levam o homem a relacionar-se consigo mesmo, com os outros e com o mundo através desses mitos. Mais, o homem religioso não assume esses mitos como mitos, mas assume a narrativa do mito como "a" realidade, a própria realidade - esse fenômeno é a alienação clássica...

Todavia, Eliade termina alegando que há religiões que não alijaram o homem da relação com a terra, a planta, o mundo animal, mineral e físico... Ora, bolas, e o que isso tem a ver com alienação? Um pajé "verde" extático é tão alienado quanto um típico judeu-cristão, com a diferença que estes vêem os deuses lá distante e aquele o vê no cipó e no crocodilo, este ama a terra, aqueles, querem ver-se longe daqui. Mas, cá entre nós, que diferença?

Acho que, nessa nota, Eliade deixa de fazer fenomenologia e faz pirraça... E olha que quem o denuncia é alguém que tem poucos, muito poucos, raríssimos teóricos em nível de preferência acima do romeno eterno...






OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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