Eclesiastes 12 não sai da memória do povo crente. Mas o que está na sua memória é um erro. O que se lembra é: "Lembra-te do teu Criador", quando o que está escrito é "Lembra-te dos teus criadores". Em hebraico, a palavra é bore'eha, isto é, "os criadores de ti" (= os teus criadores). Ou há mais de um criador ou não se trata de Deus...
Não se trata. É, provavelmente, uma referência aos pais, já velhos: lembra-te dos teus criadores, isto é, dos teus pais...
E eis que surge uma dúvida: lembrar-se deles por que ou para quê?
Será que é para cuidar deles? Será que o texto é profético, e recomenda que os pais sejam lembrados, para que se cuide deles?
Não acredito. Não é um texto profético nem sacerdotal. Noas textos sacerdotais e proféticos, deve-se honrar os pais para que se prolonguem os dias na terra. Aqui, diz-se que se deve lembrar dos pais, porque a vida é breve... Vapor, névoa, bruma: tudo é passageiro (vaidade não tem nada a ver com o sentido cosmético).
Minha opção é centrar a passagem na perspectiva sapiencial: lembra-te dos teus criadores, antes que chegue a você os dias da desgraça. Para o autor, a velhice não é - nem de longe - a "melhor idade". Pelo contrário: a velhice é a porta da morte, o aviso final do fim dos dias, que são, por natureza, breves.
O que o escritor recomenda é que, aqui e agora, os criadores, já velhos, sejam lembrados, isto é, lembrada a natureza efêmera, passageira, deletéria, da vida. Viver é caminhar para o acabamento.
E fazer o quê? Viver. Viver plenamente. Agora, antes que cheguem - e chegarão! - os dias e que, se você tiver passado em branco a vida, olhará para o passado e não encontrará prazer no que fez e viveu...
Viva. Lembra-te dos velhos. Você perderá a visão, a audição, o paladar, a força - vai virar pó.
Lembre-se disso.
Viva.
O pó não vive.
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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