Que bela cachoeira... O que a fez?
A água, no subsolo, que enche os rios, mais a chuva, mais o terreno, mais a altura...
O que fez a água, os rios, a chuva e o terreno?
Foram processos geológicos potentes e antigos, próprios do planeta...
O que fez o planeta?
Processos cósmicos, relacionados a estrelas, gravidade, fragmentos dispersos, que se unem.
O que fez os processos cósmicos?
A história do Universo...
O que fez a história do universo?
O desenvolvimento aleatório e tendente à regulação, próprio do início desse mesmo universo.
O que fez esse início?
Um evento singular, traduzido em termos de uma expansão inimaginavelmente grande, rápida e incoercível de uma infinita concentração de massa-energia...
E quem fez isso?
Heim?
Sim, quem fez essa concentração inimaginavelmente grande, rápida e incoercível de infinita concentração de massa-energia...?
Como assim quem fez?
Sim, você foi retroagindo todos os fenômenos à sua causa imediata e terminou com a expansão blá blá blá... Quero saber agora quem fez isso...
Bem, se você me pergunta o que fez isso, continuamos. Mas quero saber por que você trocou o pronome interrogativo...
Como assim?
Até esse ponto, você, adequadamente, perguntava pelo que tinha feito tal e tal coisa. Agora, em lugar de perguntar, de novo, o que fez a expansão, pergunta por quem a fez. Por que está perguntando por quem e não pelo quê?
Porque é aí que está a prova de que Deus é o iniciador de tudo...
Não, meu caro. Prova nenhuma. Se prova há é a de que você humaniza o processo - já que Deus não é outra coisa que a humanidade projetada. Como os homens criam coisas, você pergunta por que homem, que super-homem, que feuerbachiano super-homem, seu Deus, teria criado todas as coisas, quando, a rigor, deveria apenas continuar a infinita séria de perguntas: o que fez, não quem fez.
A pergunta de tipo o que fez é natural, óbvia - é, mesmo, científica. Todas as coisas que encontramos no universo são efeitos de causas anteriores. Todas. Logo, quando encontrarmos alguma coia que pareça ser a original, deveremos continuar a pergunta: o que fez isso?, qual a causa disso?.
Quando, todavia, você muda a pergunta: passa a perguntar quem fez isso? e não o que fez isso?, passa o controle da operação crítica para o mito. Já tem a resposta mitológica - em seu mito, o seu Deus, não os dos outros, naturalmente! (também isso é próprio dos mitos [sempre são os nossos deuses, nunca os dos outros), criou isso. Assim, você fica na estrada, como um bandido e salteador, espreitando o momento de nos roubar a lucidez, e enfiar-nos seu mito goela abaixo, se somos tontos o suficiente, ou crédulos um tanto...
Pergunte-me o que fez a expansão e hei de considerar você uma pessoa com quem vale a pena manter uma conversa. Pergunte-me quem fez a expansão e tratarei você como um crente dogmático (marxianamente alienado, freudianamente neurótico) ou um crente trapaceiro (não, certamente, em sentido huizinganiano).
Pode escolher.
Nos dois casos, não conversaremos mais - pelo menos não sobre isso.
Nos dois casos, não conversaremos mais - pelo menos não sobre isso.
Ah, e quanto à pergunta: o que fez a expansão?, não temos a mínima ideia (ainda?). Não temos olhos, mãos, ouvidos, boca e nariz grandes o suficiente para tatearmos esse escuro insondável (ainda?). Talvez nossa espécie tenha chegado, aí, ao seu limite heurístico. Mas nem isso, sequer isso, se pode afirmar.
Passar bem.
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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