sábado, 17 de agosto de 2013

(2013/899) Sobre a visão da sociedade como elite e massa - e sobre a incerteza de lidar com isso


Talvez esteja certo quem tem a atitude elitista.

Voltaire, por exemplo, dizia que um filósofo, se quiser, pode ser espinozista, mas o homem de Estado, o político, não - esse, tem de ser teísta: se queremos uma sociedade justa, temos de pregar um Deus justo. 

Não é que o homem de Estado precise ser crente - ele apenas deve portar-se como tal: como nossas notas de dólar e nossas constituições que, sem serem crentes, louvam o Deus tido como único...

Dá-se assim o arranjo das contas pelo fato de que homens dessa espécie tomam a sociedade humana como formada por duas classes - a elite, a nobreza, a aristocracia, de um lado, e, de outro, o povo, a massa, a gente. 

O lado A do disco deve ser culto e deve saber que essas coisas de Deus e de religião é conto para criança ter medo de fazer coisa errada. Nesse caso, tomam a sociedade exatamente como uma creche de crianças-adultas, que devem ter medo dos deuses, ou se tornam assassinos, ladrões e traficantes...

Eu não consigo pensar assim.

Eu ainda acho que qualquer um da sociedade pode, em tese, adquirir o estatuto de autonomia, de liberdade de consciência, pode crescer a amadurecer. E creio tanto nisso que trabalho dentro desse paradigma - seja na sociedade, na igreja, na família, lidar com todos como gente adulta ou em processo de tornar-se adulto. Educação crítica, maximamente crítica, alforriadora, libertadora...

Se eu estou certo, se o mundo não está dividido em elite e massa, então trabalho para ela...

Se, todavia, estou errado, se a sociedade humana é uma sociedade de casta, há uns que devem liderar e mandar, porque são para isso constituídos, para isso nasceram, e há outros, a esmagadora maioria, pinto de granja, porcos da Sadia, bois da Boi Gordo, inaptos para a humanidade plena, apenas carne para o açougue do Gênio e da cultura, então, meu trabalho crítico é um trabalho de lesa-humanidade, anti-natural, um crime... Tento fazer crescer a amadurecer gente que nasceu para ser gado e morrer gado, sendo feliz apenas assim, mugindo ao ruminamento do mato...

Não sei se estou certo...

Sei apenas que nasci pobre, povo, chandala, pobre no meio de pobres, submetido ao mesmo regime que todos e, todavia, aprendi a pensar por conta própria, adquiri autonomia de pensamento, alforria, liberdade... Sob nenhuma circunstância posso considerar-me nobre, elite... Sou e continuo povo.

Não sei se estou errado em não aceitar a tese de Voltaire e, de resto, a de muitos - a de Lutero, por exemplo, que a usou para autorizar a chacina dos camponeses...

Só sei que é a partir de minha própria experiência de libertação que posso acreditar que, na prática, qualquer um pode libertar-se - se quiser...

Continuarei, pois, na incerteza desse caminho duvidoso: tocar clarinetas de alvorada no meio do gado que ainda dorme. Dorme, mas, ouvindo a clarineta, quem sabe, não possa acordar? Ouvindo o som do trompete, não queira despertar?






OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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