quarta-feira, 13 de março de 2013

(2013/238) Criação do nada - onde?


1. Crês na "criação"?

2. Fazes bem. Politicamente, é conveniente - e a tradição assim o ensina. Logo, fazes bem.

3. Crês na criação "a partir do nada" - ou, como gostamos de dizer: ex nihilo

4. Bem, nesse caso, vamos combinar que estamos diante de uma tradição confusa. Seja como for, a tradição fechou questão e, se você crê em criação a partir do nada, está em conformidade com ela e vai ganhar sua medalha de bom tradicional.

5. Todavia, antes que a tradição fechasse questão, ela teve de decidir-se entre sua mão direita e sua mão esquerda.

6. Só há um lugar, na tradição canônica mais antiga, onde se pode ler - indiscutivelmente - alguma coisa sobre criação a partir do nada.

7. Não, não é, em nenhuma hipótese, Gênesis 1,1-3. É 2 Macabeus 7,28.
Eu te suplico, meu filho, contempla o céu e a terra; reflete bem: tudo o que vês, Deus criou do nada, assim como todos os homens.
8. Essa, digamos, é a tradição da mão esquerda - mais recente. Macabeus é do segundo século antes de Cristo, coisa bem nova.

9. Na outra mão, a direita, temos a tradição de Sabedoria 11,17:
Não era difícil à vossa mão todo-poderosa, que formou o mundo de matéria informe, mandar contra eles bandos de ursos e de leões ferozes.
10. A tradição, então, tinha duas opiniões sobre a criação: ora, achava que a criação fora feita a partir de uma substância original - a água, em Gênesis 1,1-3, por exemplo. Mas em outros momentos, preferia conceber que tudo tinha vindo de coisa alguma...

11. Era preciso decidir...

12. Não duvidemos que o neoplatonismo, que tem ojeriza da matéria, que a considera má, ruim, inútil (e está em moda, de novo, na pós-modernidade, a renovação dos espíritos e ectoplasmas imateriais!) pesou na decisão - entre uma criação a partir de uma substância co-eterna ao Criador, opta-se pela criação do nada.

13. Por mim tudo bem: o que a tradição disser, está bem dito.

14. Mas história é história, e por mais que a tradição berre sobre os telhados, debaixo das pedras espreita a historicidade das coisas passadas...

15. Como as consciências tranquilas, elas dormem, a despeito do barulho ensurdecedor da tradição...





OSVALDO LUIZ RIBEIRO

3 comentários:

Anônimo disse...

Osvaldo,

Acabei de ler seu livro O que é Fé, que me surgiu da curiosidade de saber o que você escreveu sobre um assunto aparentemente tão devocional. Ao ler, percebi que não era tão devocional, pelo menos para aqueles muito ligados a tradição. Gostei bastante da segregação feita dos conceitos de fé partindo de uma visão crítico-literária. A ilustração do salmo 42 foi ótima para perceber até por inferência temporal a distinção da atitude do salmista diante dos versos narrados entre passado, presente e futuro. As palavras que mais encontrei além de fé é claro, foram tradição, dogma, doutrina. Afinal tudo acaba sempre girando em torno do mesmo cordão umbilical.
Você dá a entender que a fé como ensino é fruto de uma incondicional eixegese, como entendida por Croatto e por isso resultado de inferência humana e por conseguinte sujeita as falhas de nós mortais.

Seguindo as sugestões de leitura estou com dificuldades de encontrar o livro Dinâmica da Fé, mas continuo na busca pela web.

Parabéns,
Fabiano

Peroratio disse...

Obrigado.
Pretendo re-escrever...
Osvaldo

Jones F. Mendonça disse...

Osvaldo,

Estou fazendo uma seleção de textos escatológicos presente na Bíblia hebraica, inclusive nos apócrifos. Lendo o Livros dos Segredos de Enoque (24,2), deparei-me com isto:

"...pois que tudo isso eu criei do não-ser, as coisas visíveis das invisíveis".

Eu não teria notado se não tivesse lido seu post.

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