sábado, 23 de fevereiro de 2013

(2013/162) De peixes que mordem a isca

1. Outro dia, contei aqui parte de minha experiência com a igreja. Tenho boas memórias e péssimas experiências. Fico me perguntando como teria sido minha trajetória se eu tivesse me convertido em alguma igreja batista do nordeste, daquelas que são mais tortas do que direita - talvez eu tivesse sido melhor acompanhado e teria permanecido nas fileiras, quem sabe, até, tornado-me um pastor, e estaria, hoje, em lugar de ajudando com críticas pesadas, ajudando com construções críticas.

2. Seja como for, como eu imaginava, algumas pessoas - que vieram a público! - ligaram minha crítica à minha experiência, com o que reduzem o peso que meu discurso gera sobre suas almas: ah, ele diz essas coisas porque teve uma experiência infeliz... Ou seja: é uma ilusão decorrente da alma dele, não é nada real, e, se ele tivesse sido feliz na igreja, não veria nem diria nada do que vê...

3. Eu esperava mesmo esse tipo de raciocínio...

4. Ele parece fazer sentido, não parece? A pessoa tem uma experiência ruim, então passa a criticar a coisa - aliás, a só criticar...

5. Bem, vejamos. 

6. Não sou mulher. Mas sou capaz de ver a história de desgraça atrás de cada mulher - sofrem há milênios e só recentemente, por conta da saída de Deus do cenário público, conseguiram alguma força. Onde Deus volta, metem-lhes em burkas...

7. Não era para eu me condoer nem criticar quem as avilta: não sou uma delas, não fui estuprada, vilipendiada, metida em burkas, prostituída, menosprezada, tornada imunda pelo próprio Deus...

8. Mas me condoo.

9. Não sou preto - pelo contrário - branquelo... Não se explica, então, minha ojeriza pela história cristã recente, de ter posto Deus como legitimador da escravidão - crime de lesa humanidade. O Nazismo, porque fez com judeus, é demonizado - o Cristianismo, nada... São iguais, perdoem-me os de espírito sensível...

10. Preto não sou, mas me condoo com a história dos pretos.

11. Não sou gay. E, no entanto, não perco a oportunidade de defender sua causa, seus direitos, sua dignidade. 

12. Não sou gay - e me condoo.

13. Logo, você nem precisa passar por experiências ruins para se condoer com elas, nem se condói apenas pelas coisas que você mesmo experimentou.

14. Minha crítica independe de minha história - trata-se de um despertar. Tivesse eu sido um pouco mais feliz na igreja, talvez me doesse um pouco mais a faca que enfio no peito de nossa tradição. Mas a enfiaria de qualquer jeito. O fato de eu não ter sido assim tão feliz só torna menos pessoalmente dolorida a facada...

15. Mas acreditem: dói. 

16. E isso nada tem a ver comigo: tem a ver com ela, com nossa própria tradição: meu espírito não inventa os crimes que ela cometeu e comete. Os crimes estão lá - basta não fechar os olhos para eles... Basta não fingir que somos o povinho bom que nos arrogamos ser...




OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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