(2013/097) Pretos-escravos e o gospel - da possessão das ideias e da possessão de Deus

As ideias são com o orixás do Candomblé, disse Morin - elas nos possuem e nos tornamos os seus cavalos...

Uma prova indireta - direta? - disso é o fato de que pretos arrancados da África, roubados de sua pátria, de sua família, de sua terra, de seu chão, presos, escravizados, torturados, açoitados, estuprados, assassinados, tenham, ao cabo de algumas gerações, capitulado à fé dos carrascos, raptores, escravizadores.

A ideia cristã os possuiu de tal forma que tornou-se, por meio deles, ainda mais forte. Na dor terrível, inventaram o gospel. Trataram de separar - e é possível? - os cristãos horríveis e assassinos do seu Deus bom e doce, e cantaram...

Se seus corpos foram dominados pelos cristãos, sua voz e coração foi dominada pelo Deus dos cristãos.

Nada adiantava, como remédio, o racismo e a segregação - quanto mais perseguição, quanto mais mortes, quanto mais KKK, mais cantavam, mais se davam ao Deus dos perseguidores...

Essa ideia...

Hoje, um negro evangélico daquele país não consegue, depois de décadas e décadas de possessão, pensar na culpa horrenda de Deus - sem ao menos passar por sua cabeça que, não fora ele justificar diante do mundo a selvageria, os raptores não teriam tido forças para tanto. Ele apenas canta, canta, canta...

Lembra-se dos brancos - e com que ódio! - mas separou brancos e Deus. Julgou tomar para si aquele Deus...

Mas não: depois de lhes roubar o corpo, roubou-lhes, depois, a alma...

Não esquecerei jamais o artigo de Losurdo - por volta de 1923, Ho Chi Minh, o herói da resistência vietnamita, assistiu à execução de um negro nos Estados Unidos, como lhe enforcaram, queimaram o corpo e venderam pedaços da corda a um dólar. Quando se viu invadido pelo povo cristão, resistiu, porque sabia que primeiro lhes roubam o corpo, depois, lhe matam a alma.

Amazing Grace...

OSVALDO LUIZ RIBEIRO