sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

(2012/879) De um cristão que existisse só


1. Um cristão que existisse só, ele e mais ninguém, faria sentido. Mais - estaria justificado. Mas cristão é bicho que vive em bando - e mais, é bicho que se mete na floresta dos outros. Logo, faz-se pecado.

2. Por que o digo?

3. Por uma razão simples e límpida.

4. Ele crê. O cristão tem ciência do que crê. Mesmo o mais simples, saberia escrever em papel de pão as questões básicas de sua fé. Deus, Jesus, Espírito Santo, Maria, os santos, a Bíblia, Noé...

5. Ele não apenas crê, mas vive em meio a outros que, igual a ele, creem, e mais: creem na mesma coisa que ele. 

6. Então, ele encontra um umbandista. O que era para ele ver? Primeiro, uma pessoa, igual a ele. Depois, uma pessoa que crê, igual a ele. Mas o que é que o bendito do cristão enxerga? Que essa pessoa é igual a ele, crê igual a ele, mas crê em outras coisas.

7. Segue adiante e se depara com um espírita. Dá-se o mesmo fenômeno: ele vê, no espírita, uma pessoa igual a ele que crê da mesma forma que ele crê - mas que crê em coisas diferentes...

8. E ele ainda caminha mais e encontra, então, um budista: mais uma pessoa igual a ele, que crê igual a ele, mas que, de novo, crê em coisas diferentes...

9. E o cristão caminha e encontra, ainda, muçulmanos, hindus, animistas, taoístas, xintoístas, confucionistas... Ele vê que são, todos, pessoas iguais a ele, que todos creem - mas que cada qual crê em coisas diferentes...

10. O que era para o cristão aprender? Que cada povo nasceu igual - são todos, pessoas. Que cada povo funciona igual: são todos, pessoas que creem. Mas que cada povo inventou suas próprias crenças, inclusive ele, povo cristão.

11. Assim, era para o cristão aprender que ele é apenas mais um dentre tantos irmãos de espécie e modus vivendi, e que as diferenças de conteúdo de fé se explicam pela história, pela geografia, pelas tradições - cada qual inventou de inventar as próprias histórias.

12. O que natural, biológico, é igual. O que é cultural, é diferente.

13. Assim, o cristão é, naturalmente, igual a todos e, culturalmente, diferente...

14. Ele, aprendendo isso, viveria em paz - em paz consigo mesmo e em paz com os outros.

15. Mas ele interpreta tudo errado, tudo a seu modo: tem que fazer com que todos, que são iguais, e todos, que creem, creiam exatamente no mesmo que ele crê...

16. E, quando você diz que isso é uma doença, reclamam de você...






OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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