sábado, 24 de novembro de 2012

(2012/807) Da questão mais importante da humanidade - ou de como não se consegue sair do quadrado


1. Meu amigo Vítor Torres provoca-me com uma questão que um filósofo teria respondido em visita ao Brasil: "Qual é o maior problema da humanidade? Teria ele dito: saber se Deus existe. Porque se Deus existe, existe uma forma certa de viver".

2. Vejam a declaração do filósofo, aventada a hipótese, inclusive, de ser ateu: "se Deus existe, existe uma forma certa de viver".

3. Essa declaração é a prova, para mim, de que seja a Filosofia - grande parte dela - seja a Teologia - em sua quase totalidade (no espectro cristão e até fora dele) - são, ainda, prisioneiras da racionalização teológico-filosófica greco-judaico-cristã dos últimos dois mil e quinhentos anos.

4. A declaração está presa à ideia de que a única coisa que precisamos decidir é se "Deus" existe, porque, se "Deus" existe, há uma forma certa de viver...

5. No fundo, o que se está dizendo é "se o Deus cristão - greco-judaico - existe". Mas o filósofo usa a palavra "Deus" como se ela necessariamente só pudesse significar isso, esse "Deus" judaico-cristão, como se, ao dizê-lo, só se pudesse pensar nisso, um "Deus" teísta, calvinista, puritano.

6. Que ele, os filósofos de tradição platônica, os teólogos profissionais e leigos, as pessoas, de modo geral, possam assim reagir eu compreendo - não é apenas nosso filósofo que é vítima dessa masmorra racionalizadora. Todavia, alguém que tenha escapado desse vício e dessa armadilha não tardará meio segundo a perceber o equívoco da declaração.

7. Permitam-me contradizê-la. Não é necessariamente verdade que, se "Deus" existe, há uma forma certa de viver. Isso só seria verdadeiro se "Deus" for alguém que obriga as pessoas a viverem do modo que ele determina. Ora, isso é uma invenção da cabeça de sacerdotes e religiosos que tinham e têm o desejo de controlar as pessoas. Pode ser até que haja um "Deus" e que ele seja isso mesmo - um rei autoritário (duvido!). Mas pode ser que, se há um "Deus", ele seja completamente diferente... De concreto, não "sabemos" coisa alguma sobre isso - só podemos crer no que as doutrinas religiosas nos mandam crer. Mas é crença - nada além disso.

8. Pode ser que ele seja um, pode ser que sejam muitos, pode ser que seja uma mulher, pode ser que sejam muitas, pode ser que sejam homens e mulheres, pode ser que seja um animal, pode ser que seja energia, pode ser que seja algo desconhecido, pode ser que seja qualquer coisa e pode ser que não seja coisa alguma. Não sabemos!

9. Nosso amigo filósofo deixou-se amarrar pela camisa de sete varas da doutrina, coitado! Ele acha que está fazendo "filosofia", mas é catequese embrulhada em papel de chocolate suíço  é a velha doutrina racionalizada, que serve apenas para a construção de costumes, de relações de poder e consolo, mas que, cá entre nós, não traz nenhum informação confiável sobre o que quer que haja do outro lado.

10. Quando eu ouço dizer que a USP tem problema sérios com a religião e a teologia, de tal sorte que se vetou - veta, ainda? - por muito tempo o tema, quem me dá o relatório o dá sempre em tom crítico, como se os teóricos da USP cometessem um crime. Mas, cá entre nós: se é isso que se pode fazer, esse tipo de declaração absolutamente arbitrária, quando se vai pensar teologia com seriedade, melhor que ficasse fora mesmo da Universidade...

11. O leito da racionalização teológico-filosófica cristã é uma realidade, mas é uma dentre várias, a chinesa, a indiana, a africana - e, mais uma vez, coitado, nosso filósofo toma o leito em que ele dorme como o leito que determinará o destino da humanidade. Bem se vê que, não importa se é filósofo ou ateu, nunca deixou de ser teólogo cristão...





OSVALDO LUIZ RIBEIRO

3 comentários:

Leonardo Martins disse...

Interessante: Não sei se é isso que o filósofo quis dizer. Não li nem perguntei a ele. Mas posso te perguntar algo igualmente curioso na sua tese.
7. Permitam-me contradizê-la. Não é necessariamente verdade que, se "Deus" existe, há uma forma certa de viver.
Qual seria esta “forma certa de viver”?

Leo.

Peroratio disse...

Leonardo, SE houver um Deus e SE ele for teísta, calvinista, puritano, então ele deve ter uma forma correta de viver na cabeça - e terá contado as pastor puritano...

Mas SE ele não for isso, for outra coisa, sabe-se lá que forma é essa - terá contado para quem?, para a Ana Paula Valadão?, o Fanini?

E mais, quem sabe se alguém perguntar a ele qual a forma de viver ele não dirá que nos viremos, porque ele está ocupado em outro projeto?

Leonardo Martins disse...

Osvaldo, já entendi a questão. Abstraindo o que disse o filósofo (se é que disse, se é que quis dizer isso mesmo) a pergunta é outra.
O que você (nem o filósofo, nem o teísta, calvinista, puritano) quis dizer com “há uma forma certa de viver”? Fiquei curioso coma SUA tese. Acho que vale uma boa reflexão.
Não precisa responder se desejar, nem precisa fazê-lo "de pronto". Pode pensar.

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...

Sobre ombros de gigantes


 

Arquivos de Peroratio