Por conta do post sobre os jovens de áreas nobres e a questão da cultura, me perguntam como diferenciar, então, cultura e Reino de Deus...
:)
Não façam isso: não convém dar asa a cobra...
Primeiro, "Reino de Deus" é uma categoria que, a meu ver, devia ser abandonada. Não vivemos num "Reino" - mas numa República, e os judeus e cristãos chamavam a coisa de "Reino" porque:
a) primeiro, Jesus queria ser rei;
b) segundo, viviam numa monarquia imperial.
Fosse hoje, Jesus ia querer ser presidente... E falaríamos da "República de Deus" - Jesus ia cair como uma luva; "Deus", tenho dúvidas. O "Deus" do AT não tem nada de democrático, pelo contrário, já Jesus, a crer no testemunho bíblico, sequer condenava adúlteras, conquanto considerasse os fariseus uma espécie bastante hipócrita (ao menos alguns deles).
Assim, tenho problemas com essa "metáfora" - "Reino de Deus".
Provocado pela pergunta, todavia, considerarei que se esteja perguntando qual a diferença entre "viver na igreja" e "viver no mundo", ou "viver em Deus" e "viver no mundo"...
Bem, se eu estabelecer que a diferença é moral, Deus é a Moral. Se eu estabelecer que a diferença é ética, estabelecerei que Deus é a Ética. Se eu estabelecer que a diferença é roupa e costumes, estabelecerei que Deus é a Alfaiataria...
Na prática, o que chamamos "Reino de Deus" é uma forma de vida social marcada por valores éticos. Jesus era considerado um beberrão e um comilão, e, ainda assim, pretendia ser o chefe do Reino... Uma coisa não tem nada a ver com a outra, bem se vê.
Enfiou-se a moralidade no Evangelho, daí, no Reino, e transformou-se uma coisa em outra, de modo que, na prática, ser do "Reino" significa, entre puritanos, não beber, não fumar, essas cosias.
Mas isso não é assim nem em 10% do Cristianismo. É a minoria da minoria.
Não deveria sequer haver distinção entre "Reino de Deus" (que termo horrível!) e sociedade. A cidadania, a educação, o respeito, o cumprimento das leis e dos deveres civis, públicos e privados, isso deveria ser encarado como o cumprimento da expectativa da vida "crente"... "Ir à igreja", nesse sentido, constituiria apenas uma idiossincrasia da fé...
Isso, afinal é o "espírito protestante" - a transformação do mundo em "mundo de Deus". Saímos do deserto, saímos dos mosteiros e fomos para o mundo. Para transformá-lo, que seja, mas não em deserto e muito menos em mosteiro.
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
5 comentários:
Mas isso seria não considerar a Esperança, o aspecto escatológico?
Depende do que você chama "esperança". Quanto ao "escatológico", é mito.
Quando vc chama de mito, quer dizer que é um tipo de pensamento superado pela racionalidade filosófica e científica, arcaica, e nada tem a nos dizer, ou necessita de uma "desmitologização"? É um juízo de valor que desqualifica o "mito"?
Mito no sentido de que não tem realidade histórica, apenas literária. Que cada um pode tirar daí lições, provam-nos as fábulas dos Grimm, por exemplo. O "valor" disso, cada qual deve encontrar por si mesmo, de o desejar. Todavia, tinham uma intenção social clara e única, quando foram escritos - eram instrumentos de intervenção social.
Bem.na conjuntura social da atuação dos profetas, não existe certa oposição de tendencias: uma sacerdotal,que digamos,atualizava o Reino de Javé,historicizando-o num Estado,e instaurando uma organização iníqua apoiada na religião do Templo, e outra que digamos, virtualizava,"escatologizava" digamos assim, anunciando uma futuridade, e assim denunciando que a atualidade, o Estado, o Templo, "ainda não", era o "Reino de Senhor Justiça Nossa". Assim, como vc disse, o "mítico" se tornava instrumento de intervenção social. Minha questão é, quando perdemos essa "fabula", mito, escatologia, seja lá como chamamos; quando perdemos essa futuridade - o Reino que virá! E identificamos esse "Reino" com o atual, como o histórico (republica, cultura, etc..), não seria perder aquela potencia de "produção de história" que havia no delírio profético? Não seria uma grande perda atualizar por completo, presentificar, historificar, esgotar aquele delírio profético que aponta para o porvir? Não seria isso,digamos,um triunfo da teologia de Estado dos Sacerdote e do Rei?
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