1. Não se trata, aqui, de defender a tese de que entre o povo só há santos e que no poder só há canalhas. Há canalhas no poder. Há santos entre o povo. Há canalhas entre o povo. Há santos no poder.
2. Trata-se de olhar, à distância, o conflito entre dois estamentos sociais, duas classes sociais: poder e povo. No Antigo Testamento, a distância é gritante - e programática.
3. No Sl 53, os benê 'adam, o conjunto do rei e do aparelho de governo, é colocado ao lado de "meu povo" (isto é, povo de Yahweh). Os benê 'adam estão colocados ali para cuidarem do povo de Yahweh - liderança, para cuidar do povo... É a retórica demagógica do rei enquanto pastor...
4. Pois bem. O Antigo Testamento não é um livro do povo. É um livro do poder, montado e fechado pelo poder. Há, lá, textos escritos individualmente por gente do povo (ou de intelectuais pensando pelo povo). Mas o fechamento e o sentido canônico dos textos é, invariavelmente, o sentido do poder.
5. Quando ouço alunos, professores, pastores, escritores, falarem em "Israel" como uma unidade, minhas tripas se contorcem.
6. A unidade em que, tardiamente, se tornou aquela massa de conflito foi uma unidade formada por programas políticos e psicológico-sociais de formatação ideológica programática, nos termos do programa de Platão, em A República e nas Leis.
7. É uma cultura artificial, fabricada, primeiro, pela violência física e, depois, simbólica - como a cena de Maria a carregar o filho imundo de oito dias, passo a passo a dirigir-se ao sacerdote, para purificar-se a si, mulher imunda, e a seu filho, criatura por isso imunda...
8. Não, nada no Antigo Testamento fechado é povo.
9. Não é por outra razão que colocar a sua letra em prática, literal ou alegoricamente, é promover a institucionalização do poder, é pregar a submissão do homem e da mulher, é castrar a autonomia, é reconstruir templo e altar.
10. Que foi o que fizeram com a cruz, quero dizer, a histórica - a rebeldia transformada em submissão...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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