quinta-feira, 5 de julho de 2012

(2012/549) Resposta ao Luciano - sobre a morte, a teologia e a filosofia


1. Luciano deixou um comentário a meu post (2012/540) Sagrado e religião - conceitos de níveis diferentes. Transcrevo o comentário e o comento.
Acho que 21 anos para ela estaria melhor arranjado.
Aos 18 você quer muito ser maior, e tendo se tornado, age como se ainda tivesse 13 ou 14. Aos 21, não. Você já não está mais tão ansioso em ser, se tornou e não quer voltar mais à teenage. Tudo, é claro, em linhas gerais.
Mas o meu assunto aqui é outro.
Sua identificação do denominador comum das religiões como sendo a vida além como núcleo do sentido da vida aqui vai ao encontro, me parece, da visão de José Saramago em "As Intermitências da Morte".
Naquele livro, se não se morre mais, para quê as religiões?
Mas também nele, para quê a filosofia? E isso eu não compreendia... até agora (acho).
A filosofia que chega ao fim com a ausência da morte não seria aquela tomada como vivência de sentido ou como materialização da experiência do sagrado, submetendo-se a vida, esta vida aqui mesma, cegamente a essa também "criação" da(s) mente(s) humana(s).
E não é essa filosofia - conteúdos sem atitude crítica -, sacralizada, que se tenta empurrar goela abaixo dos alunos no Ensino Médio - como a teologia nos seminários confessionais -, e que adolescentes e jovens não entendem porque têm que aprendê-la, como não entendem porque têm que viver uma religião?
2. Saramago é um autor admirável - eu o leio sofregamente. Escrevi um artigo sobre Literatura e Morte de Deus, que deve sair agora no final do ano, em coletânea, em que dialogo com alguns livros dele - uma experiência agradabilíssima para mim.

3. Todavia, acho que eu discordaria do fato de que, sem a morte, acabariam as religiões.

4. A morte é um problema a ser explicado pelas religiões - um problema fundamental. Mas ela não é a única questão. No momento em que os homens se tornaram construtores de coisas - Homo faber - eles imediatamente aplicaram ao "mundo" o mesmo conceito que aplicavam, agora, à sua cabana: se eu criei a cabana, quem criou o mundo?

5. O "além" seria intuído necessariamente. Foi um acidente, mas o acidente teria de acontecer, de qualquer modo.

6. Naturalmente que o "além" foi também canalizado para a questão da morte - e deparamo-nos com o além do espaço: os mundo dos deuses, e o além do tempo - o mundo depois da morte. Sem a morte, é provável que a angústia da eternidade não nos dissesse nada, mas a questão de como são as coisas do outro lado permaneceria.

7. A religião seria diferente. Seus conteúdos seriam diferentes. Mas ainda haveria religião possível. E, dado o modo como as coisas aconteceram com e na espécie humana - nenhuma cultura sem religião, eu não estou certo de que a hipótese de a ausência da morte eventualmente impedir a emergência da religião tenha fundamento.



OSVALDO LUIZ RIBEIRO

Nenhum comentário:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...

Sobre ombros de gigantes


 

Arquivos de Peroratio