domingo, 11 de março de 2012

(2012/276) Terra seca


1. Meu amigo e ex-aluno Frederico Reis, o Fred,, acabou de me contar, dará aulas em Nova Iguaçu, no antigo campus avançado do Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil, "desligado" administrativamente há alguns anos, mas, para fins acadêmicos, ainda ligado à "sede". Fiquei feliz. Por Fred e pelos alunos de Nova Iguaçu.

2. Pelos alunos, porque Fred é um bom homem e será um bom pastor. Terão um bom professor diante deles - e como eles precisam de bons professores! Pelo Fred, porque quem gosta de Teologia quer trocar, quer falar dela, e Fred tem a danada da vocação pastoral, que me falta e, como os alunos têm mais vocação pastoral do que qualquer outra, Fred os ajudará bastante.

3. A conversa com Fred me deu oportunidade de lembrar minha caminhada teológica. Foi lá, no campus de Nova Iguaçu do STBSB, que iniciei a carreira, como estudante de graduação do curso livre de Teologia. Queria aprender Hebraico. Tive de escrever uma carta dizendo que queria ser pastor. Até seria, mas não era exatamente o que eu desejava. Eu iria até para a África, à época, se isso me fosse exigido em troca de estudar.

4. 1987, eu casava e começava com Bel o curso. Tive de trancar o primeiro ano - uma úlcera micobacteriana grave em meu calcanhar esquerdo pôs-me de cama por três anos. Retornei, ainda ulcerado, em 1989. Terminei o curso em 1992. Em 1993, Luiz Roberto, à época coordenador, me deu a chance de cátedra, com Metodologia da Pesquisa (em 2001, novamente seria ele, dessa vez a me levar para a sede - ele se disse "culpado" disso). Fiquei lá até 2010 - 23 anos. Uma longa parte de minha vida.

5. Eu era uma terra seca, um deserto de 50º, árido, esturricado. Sequidão era meu nome. Deserto, meu apelido. Se as orientações críticas da teologia forem comparadas à água, posso dizer que elas me caíram parcas e poucas, mas era eu tão sedento que elas entranharam tão profundamente em mim que me marcaram indelevelmente. Engolia cada gota, deliciosamente...

6. Lembro com gratidão de alguns professores mais críticos, uns mais comedidos, outros, menos. Nenhum deles foi uma "besta louca" como a que eu acabei me tornando. Eram todos muito comedidos. Mas não sonegavam informação - e essa informação não sonegada, foi justamente ela que me construiu. Gota a gota, as águas entranharam em meus lençóis freáticos, e reverdejou um oásis de vida.

7. Eu, inteiro, que sou, fiz-me ali, naquele lugar. Aprimorei sobre-excelentemente minha formação com Haroldo Reimer, na sede, mais tarde. Mas a estrutura que eu sou, aquilo em que eu me tornei, foi ali, naquele lugar, que se ergueu. E isso é curioso - isso é revelador: não foi em nenhum curso de Filosofia, de História, de Psicologia, de Sociologia, que me "libertei" das algemas teológicas da doutrina - foi na própria Teologia! Sou filho da Teologia. Dela e só dela. Não, devo confessar - não sou filho da "Igreja": sou filho da Teologia. E a contradição disso deve-se, naturalmente, ao fato de que a Igreja rejeitou a reflexão crítica com ódio visceral - mas a Teologia, não necessariamente, e eu, certamente que não.

8. Sim, na Teologia há matérias de Psicologia, Sociologia, História, Antropologia, Filosofia... Mas isso quer dizer o quê? Sim, elas têm potencial de libertação. Todavia, conheço mestres e doutores em Sociologia, Psicologia, História, que, senhores, é como se não conhecessem nada daquelas disciplinas, porque elas não entraram em seu sangue, apenas em suas bocas. O que a Teologia fez comigo foi cavar até a medula e revolver tudo, pedra a pedra, reconstruir-me inteiramente.

9. Não se trata de um detalhe. É um elemento fundamental. Não é tanto a semente, senhores, mas a terra também. Era eu uma terra seca, e encharcou-me a água da Teologia - mas o oásis que daí verdejou não tinha as feições do dogma, mas da liberdade, da fé, mas da racionalidade, da doutrina, mas da reflexão crítica.

10. Isso tudo, insisto, ali, na Baixada Fluminense, num curso livre, sem valor legal - valor que só mais tarde eu ratifiquei. O valor que teve, todavia, para mim é inexprimível. É o valor que eu mesmo tenho, porque o que sou, metade devo a Bel e metade, àquele lugar.





OSVALDO "Oásis" LUIZ RIBEIRO

Um comentário:

Robson Guerra disse...

Oi, Osvaldo

Estive lá no seminário de Nova Iguaçu neste último fim de semana. Ouvi bons comentários a respeito do Fred. Parece que gostaram bastante dele.

Fui lá para me matricular no curso de convalidação do diploma de Teologia conveniado com a Faculdade Unida de Vitória. E, de acordo com o calendário que me deram, no fim deste mês nos veremos lá. Será uma tremenda alegria te ver de novo lá. Aliás, só me matriculei lá por conta desta possibilidade. Até lá, se Deus quiser. E, como se costuma dizer, Ele há de querer...rsrsrs

Um abraço!

Robson Guerra

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