1. Às vezes eu me pego olhando para nada e coisa nenhuma, com os olhos perdidos, fixos no indefinível, e me pego em pensamentos constrangidos, pensamentos que a gente quase não traz pra cima, melhor deixá-los lá embaixo, no limbo, na fronteira entre o que não se pode pensar e o que se pensa assim mesmo.
2. Tem dez minutos, um desses pensamentos proibidos me veio à mente.
3. Costumamos dizer que Deus está no controle. Mais, que Deus está "guiando" as coisas, "guiando" tudo.
4. Aí, me pego pensando numa cena: no céu, Deus nos flagra pensando e/ou dizendo isso, que ele está guiando tudo, e, então, ele mesmo pensa em voz alta: "como eles podem achar que sou eu guiando tudo isso?".
5. Deus vê a maldade humana, a fome, as guerras, as violências domésticas, as violências simbólicas, as violências físicas, os crimes, a corrupção, os adultérios, a metade do mundo em situação de penúria e miséria, um percentual ínfimo vivendo às custas da maioria, tendo pra si o que seria suficiente para um milhão, vejo os patrões de Fusion e os empregados de metrô lotado, de trem superlotado, vejo as drogas, vejo a política, vejo a religião e seu obscurantismo, vejo as doenças, vejo nossos pecados todos, os meus, e imagino Deus, estupefato, olhando para nós e para isso que somos e fazemos, e, abismado da ideia que fazemos dele, perguntar-se, entre profundamente ofendido e triste: "como eles podem achar que eu tenho alguma coisa a ver com isso?".
6. Mas, como eu disse, são pensamentos proibidos. O que se deve é repetir os jargões, que lotam os templos e aplacam as crises da alma - "Deus está no controle"...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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3 comentários:
Pois é, amigo... para isso transcrevo um pequeno trecho de um livro que pode seguir paralelamente ao seu "pensamento":
“Nossos filhos precisam aprender, desde cedo, a ver as desigualdades entre seus próprios destinos e os de outras crianças, não como a Vontade de Deus nem como o preço necessário pela eficácia econômica, mas como uma tragédia evitável.” (RORTY, Richard. Philosophy and Social Hope. Penguin Books, 1999, p.203)
"Deus está no contrle", "vontade de Deus"... são expressões que podem subtrair ao invés de acalentar quando a gente fica aqui... assim... pensando... A questão é o que fazemos com esse pensamento. Deixamos? Pensamos sobre o pensamento? Criticamos a crítica? Pontuamos? Não sei, só estou tentando pensar...
Bravo, Nelson!
Gostei tanto da citação que, mesmo sem lhe pedir licença, compartilhei-a no meu mural no facebook. Espero que não se importe.
Prezado Luciano, veja o texto completo em:
http://www.nelsonlellis.blogspot.com/2012/02/vontade-de-deus-pelo-amor-de-deus.html
ou
www.ventosmodernos2.blogspot.com
Abraços.
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