quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

(2012/222) Sobre - todos - os discursos sobre Deus, os nossos, os dos outros e o de todo mundo

1. Todos os discursos sobre Deus, de todas as religiões, nossos e nossas, dos outros e de todo mundo, todos os discursos sobre Deus são invenções humanas, pura fantasia, imaginação, cultura, criados pelas mais diferentes razões - econômicas, políticas, sociais, históricas, biológicas, psicológicas.

2. Isso não tem o significado lógico de dizer que Deus não existe - tem o significado lógico de dizer que o Deus inserido em qualquer discurso humano é igualmente invenção humana. Todas as vezes que qualquer pessoa fala sobre Deus, é de uma coisa inventada e por meio de um modo inventado que ela fala.

3. Se Deus há fora da palavra humana, fora do pensamento humano, não se sabe nem jamais se saberá. Mas aquele e aqueles que nelas e neles vivem, é humaníssimo.

4. Incluo aí o Deus dos púlpitos. De todos.

5. Há aqueles que se deram conta disso e passaram a falar de Deus como quem faz poesia. A esses eu respeitaria numa única condição, quase nunca verificada: que sua audiência saiba que é poesia que se faz aí e saiba, sobretudo, o que isso significa. Fora dessa condição, merece desprezo, porque mente para si e para todos os que o ouvem.

6. Outro dia, uma e tal da manhã, eu mesmo ouvi um "teopoeta" falar de Deus na TV, pregar Jesus igualzinho a todos os pregadores da fé e da convicção inabalável - e não contive uma revolta nas tripas...

7. Quando ouço qualquer pessoa, amigo ou não, falar de Deus e ainda chamar outras racionalizações tão criativas e imaginativas quanto a sua - com o mesmo grau de substância, com a mesma profundidade de massa -, de tolice, quase chego a gostar do fundamentalista: pelo menos ele não se mete a intelectual (às vezes; quando o faz, o resultado é ridículo).

8. Sou (acho) amigo de muito pregador, muito pastor, muito cristão, muito crente. Todavia, Amicus Plato, sed magis amica veritas.

9. É uma pena. Eu acredito que é possível conciliar vocação pastoral, terapêutica, com as informações que temos desde o século XIX. Mas é uma pena que a pregação se faça para uma audiência que, ela sabe, não tem condições de a pôr no seu lugar.

10. Podia ser tão diferente... Não é preciso fazer as pessoas de bobas para cuidar delas. Fazê-las de bobas só as torna mais doentes. Há caminhos mais honrados por onde se pode ir.

11. Mas se vai pelo caminho mais fácil.

12. Nem sempre o mais ético.



OSVALDO LUIZ RIBEIRO

PS. se você espreme contra a parede um púlpito esclarecido, ele confessará que sabe do que você está falando, mas se a audiência desconfiar do que estamos falando, caos. Não preciso dizer mais nada. Quanto aos púlpitos que não têm sequer condição de entender do que estamos falando, bem, essa é outra história, conquanto seja, ainda, a mesma tragédia. Porque ninguém precisa saber que o pé está a pegar fogo para que o pé esteja a pegar fogo...

PS. se teve estômago para ler até aqui, talvez gostasse de ler também isso: (2012/224) Porque uma Teologia nova exigirá sutileza de pensamento - e estamos por demais embrutecidos, ainda

5 comentários:

Viviana Carolina Mendez Rocha disse...

Justamente ontem eu estava pensando nisso, em como todo o que se fala sobre Deus é invenção humana, e também em como as pessoas manipularam, e ainda manipulam, o que se fala sobre Deus. É que vi um documentário sobre Thor, fiquei inspirada. No final o coitado de Thor morre, porque quando se fez essa história, os cristãos já tinham chegado à Escandinávia, e bom, Thor morreu, o mundo acabou, e só um casal sobreviveu, para fazer um mundo novo, sem deuses pagãos... achei muito interessante. Assim é hoje, se fala de Deus o que se quer.

Igreja Batista Memorial da Posse disse...

É...UMA QUESTÃO DE LINGUAGEM? DISCURSO É LINGUAGEM? O REAL DEIXA DE SER QUANDO OLHAMOS PRA ELE? OU PASSA A EXISTIR SÓ PQ OLHAMOS PRA ELE? NÓS ESCOLHEMOS O REAL QUE QUEREMOS OLHAR?

SE APLICAMOS ESSAS QUESTÕES AO SER(INDIVIDUO), A LINGUAGEM NÃO É TÃO RELEVANTE. PORÉM QUANDO APLICAMOS A COLETIVIDADE....COMO SE CRIAR OU SE INVENTA UM PADRÃO COMUM PARA COMPARTILHAR AS EXPERIÊNCIAS? SÍMBOLOS, EDUCAÇÃO, CULTURA, RELIGIÃO, CIÊNCIAS.

A TEOLOGIA, A RELIGIÃO E TD QUE ENVOLVE EXPERIÊNCIAS DE FÉ, SÃO LINGUAGENS, SÍMBOLOS COMPARTILHADOS, POR MAIS QUE A LINGUAGEM SEJA IMPERFEITA, ISSO NÃO QUER DIZER QUE A EXPERIÊNCIA NÃO É REAL. TENTO ENXERGAR A IGREJA DESSA FORMA: UMA LUGAR ONDE POSSO COMPARTILHAR A EXPERIENCIA QUE TENHO COM DEUS....TEMOS DOUTRINAS E QUASE DOGMAS (RSRSRS), VEJO APENAS COMO "MULETAS" APENAS PARA AUXILIAR O CAMINHAR DA FÉ, ATÉ QUE POSSAMOS ANDAR SEM ELAS....SE ISSO FOR POSSÍVEL.

POSSO ESTAR ERRADO, MAS ME PARECE QUE VC SEMPRE BUSCA UM CRITÉRIO, UMA MULETA PARA SE APOIAR, UMA LINGUAGEM. SEJA A CIÊNCIA OU A RELIGIÃO TUDO ISSO MUDA, UMA HORA OU OUTRA A MULETA QUEBRA E O QUE SOBRA? NÓS E A NOSSA FÉ.

CEZAR UCHÔA JÚNIOR

Anônimo disse...

Mas qual fé é a que sobra junto com nós, Cezar?
Porque se for aquela que "uma vez foi dada aos santos", então voltamos a estaca zero, já que é muleta também. Quebrou a muleta e o que há? Outra.
O Osvaldo nos brindou certa vez com uma classificação de fé que fala da fé-enquanto-encontro. Se é a isso que você se refere quando fala da "experiência que tenho com Deus", aí sim, quebra a muleta e somos "nós e a nossa fé".
Não fé-enquanto-doutrina, que é tentativa desesperada de sistematizar, materializar, antecipar aquela outra. Alguma coisa que a corça põe em substituição da água que lhe mataria a sede mas que não chega.
Agora, o problema é se todos os que estão sentados nos bancos têm a oportunidade de também compartilhar sua fé-enquanto-encontro, ou se isso é só do púlpito para baixo. E, em tendo todos essa oportunidade, sua fé-enquanto-encontro é respeitada como legítima manifestação de Deus na vida do homem, ou, debaixo de uma privilegiada fé-enquanto-encontro já transmudada em fé-enquanto-doutrina - "doutrinas e quase dogmas", como você disse - se classificam e desqualificam as outras fés-enquanto-encontro?
É que às vezes as muletas são tão necessárias, tão preciosas, que sabemos que são, que há pernas, mas qual?, lá estão elas nos apertando os suvacos.

Peroratio disse...

Sim, Luciano, essa pé-enquanto-encontro poderia ser uma saída, desde que ela não finja que resolveu a questão e que está diante de algo dado e sabido - ela é mais uma experiência antropológica, para dentro, do que uma possibilidade de relação com algo do outro lado.

Anônimo disse...

Mas, Osvaldo, na fé-enquanto-encontro a questão não se resolve ao menos individualmente?
Não é a água que saciou - veja bem, saciou, de fato e de verdade - a sede da corça, tanto que hoje, ela, com sede de novo, grita por aquela água?
Assim também o Deus por quem anseia a alma do salmista? E quanto a este, não se trata de uma relação com algo do outro lado, ainda que para o salmista?
Se reduzida também a fé-enquanto-encontro a uma experiência antropológica, se extraída dela a possibilidade de relação com algo do outro lado, em que ela se diferencia da fé-enquanto-ensino, a não ser a pragmática na qual se circunscreve, política aqui, estética lá?
Ainda na redução acima referida, o Deus simbolizado por Deus, na frase de Tillich, não se iguala ao Deus símbolo para Deus, tudo como mito?

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