quarta-feira, 27 de julho de 2011

(2011/448) De "Teologia Pública" - e por que às vezes me sinto numa batalha perdida...


1. Recosto-me à cadeira, e meus temores se assaltam: até que ponto meu rigor tem apenas um lado? Até que ponto minha espada corta com apenas um gume? Minha consciência rói-me e devora-me instante a instante. Acho que se a temperatura interna de minha cabeça for tirada, a qualquer momento, estarão as suas águas fervendo. Quantos diabos fazem aqui suas poções em fogo alto?

2. Que mal há em a Teologia querer ser pública? Larga de ser implicante, homem! Afinal, a Teologia está aí há quanto tempo? Desde quando?

3. Depende... Há que se estabelecer algum critério. Do que ela está falando, quando prega seu direito de ser pública? A que conflito ela se refere, que front revela-se dessa retórica - "ei, tenho direito de ir para a praça, de ocupar os espaços públicos!" -? Alguém está a dizer a ela que não, que não pode?

4. Em certo sentido, sim. Talvez, pelo menos as ouço, duas vozes: a sociedade intelectual racionalista moderna, de um lado, e a sociedade civil republicana moderna, de outro. Mas dizem de modo diferente, e dizem mesmo coisas diferentes.

5. A sociedade racional moderna trata a Teologia como mito - e é. Mas não há, aí, interdição de sua fala. Há cobrança de sua lucidez - ao menos aquela atitude que um racionalista consideraria lucidez para alguém que fale de anjos como realidades existenciais para além da quimera, ou que diga assim: Jesus é Deus, mas Exu, um diabo...

6. Diante dessa voz, racionalista, iluminista, diríamos, a Teologia quer ser pública no sentido de que não quer que seus discursos sejam tratados como quimeras: "respeite-me", ela diz. Se você entra num recinto teológico, e estão todos a olhar para o teto, ela quer que você "entre no jogo". Pública, nesse caso, significa que ela quer jogar seu jogo no tabuleiro moderno, sem que, no entanto, o juízo moderno a envergonhe a cada minuto, nem a desmonte. Se a Teologia crê-se verdade, e uma verdade inescapável - como há de comportar-se, quando se lhe soltar na praça do mercado, ali, onde tantas verdades são tagareladas a mesmo tempo? "Eu - mais uma?"...

7. No campo republicano, ela quer ter o direito de ir a público e dizer o que tem a dizer: por exemplo, que é "Deus" quem dirige os votos dos homens e das mulheres que dirigem-se às urnas, que "Deus" ama Bush e não Fidel (ou Fidel e não Bush!), que "Deus" não tolera o aborto, que "Deus" ama o homossexual, mas odeia o pecado deles, que "Deus" detesta o comunismo, a tal ponto de ter usado o Papa para derrubá-lo, que os orixás africanos são diabos e os afrodescendentes, seus servos (mas podem ser salvos!, podem ser libertos!), que o divórcio é um crime, que o sexo, imundo, que o pensamento, demoníaco...

8. Tudo bem: posso estar no meio de um argumento viciado. Não é todo cristão que considera, por exemplo, que "Deus" não tolera o aborto ou, num outro extremo, que não está nem aí para o homossexualismo. Mas, cá entre nós - entre os cristãos, esse aí, ainda é cristão? Um teólogo que reconheceu que é cego, que não há anjos dos quais se possa falar fora do registro do feérico, que o que quer que passe do telhado é mito, que passado, presente e futuro foram e são construídos por um conselho entre a Natureza e os homens, que o mau e o bom são conceitos antropológicos, que o túmulo é uma incógnita somente para o que quer que exista para além da carne, porque, nesse limite, é tanto certeza quanto certeza conhecida... esse aí é um teólogo?

9. Se a Teologia for para a praça pública para, primeiro, arrancar de si todo vício confessional e todo desejo de determinação da consciência dos outros; se a Teologia admitir, publicamente, sem disfarces e palhetas de hipocrisia em tom pastel, que nada que ela tenha a dizer é normativo, universal e necessariamente verdadeiro, bom e bonito; se a Teologia portar-se como qualquer outra expressão cultural humana, a tal ponto de acostumar-se ao fato de que ninguém é sequer obrigado a dar-lhe ouvidos; se a Teologia admitir de si o que admite para qualquer outro discurso humano, sua carga de humanidade intransponível, sua cegueira radical em face do que se puser para além do humano, sua marca indelével de terra e carbono - então, meus amigos, não me oporia a essa retórica moderna.

10. Da forma como a Teologia se vê, contudo, não posso, não dá, não é justo... É o pedido que o dragão dá para sentar-se na sala das crianças, jurando - com os dedos cruzados - que não há de devorar nenhuma cabeça...



OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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