1. Acabo de vir de um curso de "Bíblia e Cultura", em que fui o "professor". Falamos sobre as implicações de a Bíblia ser constituída de cultura. Falamos de como as teologias que a Bíblia contém constituem movimentos culturais inicialmente desenvolvidos em outros "países" - Grécia, Pérsia, Babilônia, "Canaã". Ou seja, de um lado, não há praticamente nada na teologia da Bíblia que não tenha surgido na e como cultura e, de outro lado, a esmagadora maioria dessa teologia/cultura era, originalmente, estrangeira.
2. É uma experiência curiosa - às vezes, cansativa. Não se trata de todos os casos, mas, em grande número, os alunos reagem de modo ambíguo - alguns "riem" (reação freudiana?), outros arregalam os olhos; outros, ainda, riem e assustam-se - ao mesmo tempo! A "crise" se instala.
3. Os argumentos aparecem: mas, se é cultura, o que é que estamos fazendo aqui? Se estamos lidando com cultura, qual o sentido disso tudo? Que diferença faz crer e não crer? Se os conceitos bíblicos de "Deus", "diabo", "céu", "inferno", "salvação", "perdição" etc., são "cultura", por que dar a eles a dimensão de relevância que damos?, que diferença há entre eles, conceitos bíblicos cristãos, e os seus correlatos presentes em outras religiões?
4. Não tenho interesse algum em desviar a questão. Pelo contrário - trata-se de trazer à tona o fato de que a teologia conservadora e eclesiástica já se deu conta disso, isto é, de que se trata de "cultura", quando se recorre às fontes bíblicas.
5. Por exemplo: o texto bíblico afirma que as mulheres não devem falar na igreja, porque mulher falar na igreja é "indecente"; todavia, as igrejas, hoje, conservadoras, todas, permitem que mulheres falem nas naves, nos templos, que falem. Por quê? Porque consideram que essa "recomendação/proibição" é cultura. Ou seja: não se trata de uma injunção absoluta e eternamente válida, mas, antes, uma orientação/proibição presa à cultura, válida para lá e então, mas não para cá e agora. Cultura!
6. Mais: conhece-se a recomendação de Jesus ao jovem judeu: para alcançar a vida eterna, deve-se vender tudo que se tem e dar aos pobres. Todos os Civics do ano? Os notebook de última geração? Os apartamentos de papel passado? Não é possível! Só pode ser cultura! Porque nós teríamos que vender nossos queridos e desejáveis bens! Como não vamos - de jeito nenhum - vender nossos bens, e aos pobres (só) daremos "assistência", a orientação/determinação bíblica de vender todos os bens (pessoais) e doar aos pobres só pode ser cultura - de modo que vale lá, mas, não, cá!
7. Há mais - mas basta. Na prática, a teologia conservadora e eclesiástica trata - literalmente - como cultura, uma série (mas só uma série! - e não outra!) de "orientações" bíblicas: para a teologia conservadora, essas - mas só essas! - orientações (que nos constrangiriam!) não valem para nós (é como "não comer carne de porco"!), mas valiam apenas para eles.
8. Não posso me furtar a classificar essa prática de estabelecer que o verso xis da Bíblia é cultura - vale lá, mas não cá -, enquanto o verso "a" ou "b" valem eternamente, absolutamente, a essa prática, chamo "teologia de interesse": o umbigo, o próprio umbigo como critério - o que me interessa, é cultura ou não, eu decido se afirmo o valor como absoluto, ou se fujo dele, escapo dele, subtraio-me a ele, classificando-o como "cultura"...
9. Por isso não me falam mais, não há a mínima possibilidade de eu ouvir "teólogos" - conservadores e eclesiásticos. Não há seriedade profunda aí - são sopesamentos, jogos de interesse, retóricas de encomenda: o que nos interessa, interessa, o que não nos interessa, não nos interessa; quando conveniente, tratamos como cultura, mas quando conveniente, tratamos como absoluto. Uma forma "cínica" de ser religioso, que não cabe em "meu" rigor teológico-protestante.
10. Aí, sou forçado a dizer: quando "você" levar sua reflexão teológica ao ponto de lhe dar "seriedade" e consistência, então conversamos. Se você emprega essa lógica teológica de situação, de interesse, de circunstância, de umbigo, e, ao mesmo tempo, dá chiliques quando consideramos os textos bíblicos como cultura, faça-me o favor: não encha o saco! No dia em que você proibir mulher de falar na "sua" igreja, e no dia em que vender seu carro zero (ou seu Fusca 66), então conversamos - antes, não dá... Meus ouvidos não podem mais ouvir...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
2. É uma experiência curiosa - às vezes, cansativa. Não se trata de todos os casos, mas, em grande número, os alunos reagem de modo ambíguo - alguns "riem" (reação freudiana?), outros arregalam os olhos; outros, ainda, riem e assustam-se - ao mesmo tempo! A "crise" se instala.
3. Os argumentos aparecem: mas, se é cultura, o que é que estamos fazendo aqui? Se estamos lidando com cultura, qual o sentido disso tudo? Que diferença faz crer e não crer? Se os conceitos bíblicos de "Deus", "diabo", "céu", "inferno", "salvação", "perdição" etc., são "cultura", por que dar a eles a dimensão de relevância que damos?, que diferença há entre eles, conceitos bíblicos cristãos, e os seus correlatos presentes em outras religiões?
4. Não tenho interesse algum em desviar a questão. Pelo contrário - trata-se de trazer à tona o fato de que a teologia conservadora e eclesiástica já se deu conta disso, isto é, de que se trata de "cultura", quando se recorre às fontes bíblicas.
5. Por exemplo: o texto bíblico afirma que as mulheres não devem falar na igreja, porque mulher falar na igreja é "indecente"; todavia, as igrejas, hoje, conservadoras, todas, permitem que mulheres falem nas naves, nos templos, que falem. Por quê? Porque consideram que essa "recomendação/proibição" é cultura. Ou seja: não se trata de uma injunção absoluta e eternamente válida, mas, antes, uma orientação/proibição presa à cultura, válida para lá e então, mas não para cá e agora. Cultura!
6. Mais: conhece-se a recomendação de Jesus ao jovem judeu: para alcançar a vida eterna, deve-se vender tudo que se tem e dar aos pobres. Todos os Civics do ano? Os notebook de última geração? Os apartamentos de papel passado? Não é possível! Só pode ser cultura! Porque nós teríamos que vender nossos queridos e desejáveis bens! Como não vamos - de jeito nenhum - vender nossos bens, e aos pobres (só) daremos "assistência", a orientação/determinação bíblica de vender todos os bens (pessoais) e doar aos pobres só pode ser cultura - de modo que vale lá, mas, não, cá!
7. Há mais - mas basta. Na prática, a teologia conservadora e eclesiástica trata - literalmente - como cultura, uma série (mas só uma série! - e não outra!) de "orientações" bíblicas: para a teologia conservadora, essas - mas só essas! - orientações (que nos constrangiriam!) não valem para nós (é como "não comer carne de porco"!), mas valiam apenas para eles.
8. Não posso me furtar a classificar essa prática de estabelecer que o verso xis da Bíblia é cultura - vale lá, mas não cá -, enquanto o verso "a" ou "b" valem eternamente, absolutamente, a essa prática, chamo "teologia de interesse": o umbigo, o próprio umbigo como critério - o que me interessa, é cultura ou não, eu decido se afirmo o valor como absoluto, ou se fujo dele, escapo dele, subtraio-me a ele, classificando-o como "cultura"...
9. Por isso não me falam mais, não há a mínima possibilidade de eu ouvir "teólogos" - conservadores e eclesiásticos. Não há seriedade profunda aí - são sopesamentos, jogos de interesse, retóricas de encomenda: o que nos interessa, interessa, o que não nos interessa, não nos interessa; quando conveniente, tratamos como cultura, mas quando conveniente, tratamos como absoluto. Uma forma "cínica" de ser religioso, que não cabe em "meu" rigor teológico-protestante.
10. Aí, sou forçado a dizer: quando "você" levar sua reflexão teológica ao ponto de lhe dar "seriedade" e consistência, então conversamos. Se você emprega essa lógica teológica de situação, de interesse, de circunstância, de umbigo, e, ao mesmo tempo, dá chiliques quando consideramos os textos bíblicos como cultura, faça-me o favor: não encha o saco! No dia em que você proibir mulher de falar na "sua" igreja, e no dia em que vender seu carro zero (ou seu Fusca 66), então conversamos - antes, não dá... Meus ouvidos não podem mais ouvir...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
2 comentários:
Oi, Osvaldo!
Já nos falamos aqui e ali. Como vai você aí nas plagas capixabas?
Bom, concordo com o que você colocou nesse post, e, em geral, com as idéias que você postula - até comecei a ler "O Método", veja só! - e olha como lutei, me contorci e esperneei para não concordar. Mas vou repetir as perguntas, que ainda não soube bem me responder, apesar da sua generosidade em me responder a dois ou três e-mails e ainda me enviar seu livro sobre fé:
"mas, se é cultura, o que é que estamos fazendo aqui? Se estamos lidando com cultura, qual o sentido disso tudo? Que diferença faz crer e não crer? Se os conceitos bíblicos de "Deus", "diabo", "céu", "inferno", "salvação", "perdição" etc., são "cultura", por que dar a eles a dimensão de relevância que damos?, que diferença há entre eles, conceitos bíblicos cristãos, e os seus correlatos presentes em outras religiões?"
Um abração!
Luciano.
Luciano, são questões anteriores às respostas cristãs. Essas perguntas eram e foram feitas por vezes sem conta, antes do Cristianismo, e respondidas vezes sem conta, cada vez com credos diferentes. Até que inventaram-=se respostas novas, como novas serão as próximas, porque dificilmente duraremos eternamente.
Assim, consideremos uma questão: sagradas são as perguntas - digamos que postas aqui dentro por alguém muito terrivelmente brincalhão. Postas por ele, as respostas são, todavia, sempre, nossas, do nosso jeito. Penso que agarrarmo-nos às perguntas seja prudente, salutar, até - mas, às respostas, neurose interminável...
Além do que, Luciano, achamo-nos na vida... E, bem, já que estamos aqui, que tal viver sem a necessidade de respostas imutáveis? Basta reaprendermos a viver como os antigos - ou como os que vêm adiante...
Um abraço, e boa Páscoa!
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