sexta-feira, 1 de abril de 2011

(2011/217) Duas teses arriscadas e ousadas sobre a relação do homem com o mundo físico - ainda mais graves porque advêm de um teólogo!


1. Primeiro, desde há uns dois séculos, começamos a nos dar conta - a descobrir!, e descobrir em sentido empírico, laboratorial - que o homem apropria-se do mundo, interpretando-o, isto é, que o homem - ao mesmo tempo - descobre (sentidos!) e traduz (pensamento, teoria) o mundo físico.

2. Isso não é interpretação de fato - isso é fato. Descobrimos, não inventamos, de dizer que o homem é um animal hermenêutico. Mas cuidado! Muito apressadamente, muito afoitamente, sai-se pelos becos escuros a gritar que o homem é um animal de interpretações, sem se dar conta de que isso seria, afinal, também, interpretação!

3. O homem é um ser que interpreta - descobrimos isso. Temos de lidar com isso de modo complexo - com isso o quê? Com o fato de que descobrimos, verificamos, certificamo-nos, do fato de que o homem interpreta fatos. Não, sua visão do mundo não é uma foto imediata do mundo, é uma tradução. Mas, também, não!, a tradução do mundo, que o homem faz, não é arbitrária - mas é reflexo traduzido do real.

4. Segunda tese: a negação do acesso ao material "em si" decorre, ainda, nos discursos filosóficos e hermenêuticos, de um derivado mitológico. O "em si" tem sido, desde Parmênides e Platão, desde Agostinho, o "divino", o "ontológico mitológico teológico". Quando nos tornamos mais empíricos, alguma coisa entre aristotélicos e ingleses, fizemos uma distinção entre o que víamos, empiricamente, e o que cogitávamos de lá estar, um lá estar, ainda, teológico - de modo que o "em si" constitui o resíduo mitológico presente mesmo nas reflexões filosóficas mais contemporâneas.

5. Todavia, a rigor, só podemos lidar com o real conforme dado e projetado do que nos é dado. Desse modo, só deveríamos distinguir entre a porção disponível e o todo, indisponível - mas, alto lá: em tese, apenas circunstancialmente indisponível. Não posso dizer, honestamente, que nunca teremos disponível o todo. Para o dizer, eu teria que saber o que é esse todo, e, dado sabê-lo, concluir pela impossibilidade de o saber...

6. Circunstancialmente, temos acesso a porções minúsculas do todo - sim, pelo que sabemos, muito pequenas, proporcionalmente ao que sabemos que ainda não sabemos, sem considerar o que não sabemos que não sabemos, mas imaginamos não saber. É porque não temos o todo disponível que interpretamos sempre provisoriamente, sempre no fio da navalha, o pequeno disponível.

7. À medida que vamos fazendo força para cima e para dentro - astrofísica e física quântica, vamos ampliando o acesso ao todo que, todavia, não sabemos onde termina.

8. O conhecimento humano é um conhecimento do objeto: não uma invenção dele. Todavia, um conhecimento humano do objeto, limitado às poções que dele se evidenciam aos nossos sentidos, na faixa de onda em que se evidenciam.

9. Moral da história - "Deus" ainda assombra a Filosofia, que não consegue largar a idéia fixa que vem da Grécia - uma gloriosa Grécia, que, todavia, construía-se sobre escravos...




OSVALDO LUIZ RIBEIRO

Um comentário:

Lair disse...

Primeira leitura me impressionou vivamente. E tenho certeza que terei que ler e reler.

E a cada leitura e releitura encontrarei dados novos.

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